O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Vestida Para Matar possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
ALFRED HITCHCOCK INVENTOU O CINEMA DE BRIAN DE PALMA. Pelo menos se considerarmos Vestida Para Matar (Dress to Kill, 1980) essa afirmação possui muita verdade. A linha tênue entre homenagem, referência e plágio nunca ganhou um exemplo mais perfeito do que nesse longa estrelado por Nancy Allen, Michael Caine e Angie Dickinson.
Para quem nunca teve a oportunidade de assistir Vestida Para Matar, o filme conta a história de uma mulher misteriosa, que após cometer um crime começa a perseguir a única testemunha. Essa é a melhor forma de descrever o longa para quem nunca assistiu e se esse for o caso, minha sugestão é que interrompa a leitura para ir atrás desse clássico AGORA MESMO.
O aviso foi dado e agora teremos muitos spoilers. Sabe quando você vai apresentar Psicose para alguém e a pessoa diz que nunca assistiu? Quando comecei o texto falando de Hitchcock não foi por acaso: Vestida Para Matar possui muitas similaridades com o clássico absoluto do terror, mas ao mesmo tempo sem deixar de explorar o lado autoral de De Palma.
A primeira parte do filme apresenta Kate Miller (Dickinson), como uma mulher cheia de “amor” para dar. Na falta de assistência do marido, ela decide foder com um estranho qualquer que conhece durante uma visita a um museu. Após o rala e rola, o bom entra e sai, esconde a minhoquinha, ela decide voltar para casa. Antes, claro, escreve uma cartinha para o amante com expectativa de repetir a dose em um futuro não muito distante.
Como o voyeurismo, parte intrínseca do cinema de De Palma, envolve muita curiosidade, não é de se surpreender quando Kate fuça a gaveta do amante e encontra o resultado de um exame que detectou uma doença sexualmente transmissível. Ou seja, com um senso de humor perverso, o roteiro inicia a punição da sua ”protagonista” revelando que ela transou com uma caixinha de doença.
A punição seguinte estabelece a conexão máxima com Psicose: Kate é assassinada dentro do elevador evocando o momento em que Janet Leigh interpreta a vítima indefesa no chuveiro. O compositor Pino Donaggio não é nenhum Bernard Herrmann, mas até o tema musical é pensado como uma espécie de filhote da trilha original. Por fim, assim como Hitchcock nos presenteou com um dos maiores plot twists de protagonista do cinema, De Palma repete a mesma coisa matando aquela que todo mundo pensava ser a sua protagonista.
Mas nem só de Hitchcock vive Vestida Para Matar: voltando ao voyeurismo, De Palma gosta de fazer o espectador invadir a privacidade e intimidade dos seus personagens. Especialmente as mulheres. Os minutos iniciais do filme mostram Kate se masturbando no chuveiro enquanto observa o marido. É fácil lembrar daqueles minutos introdutórios no vestiário feminino em Carrie, a Estranha (1976) e o mesmo acontece em Um Tiro na Noite (1981).
E nos seus momentos finais, quando a personagem de Allen acorda de um pesadelo e é confortada pelo nerd virgem, somos convidados a relembrar a última cena de Carrie.
Outra coisa para ser pensada: Vestida Para Matar não é lá um filme politicamente correto para os dias de hoje. Ao lado do genial (e perfeito) O Silêncio dos Inocentes, de Jonathan Demme, existem uma série de críticas feitas à forma como as obras retratam personagens transsexuais, reforçando os estereotipos negativos que mentes preconceituosas e atrasadas têm. Isso é algo muito pessoal e cabe a cada espectador refletir a partir da interpretação da obra. Boicotar filmes é boicotar seu próprio lado cinéfilo, além de alimentar pré-conceitos. O que você acha?
Vestida Para Matar faz parte da minha mini maratona com os filmes de Brian De Palma. O longa não está disponível em nenhum serviço de streaming, infelizmente.