O Cinema de Buteco adverte: A crítica de Matrix Ressurrections possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
MATRIX RESURRECTIONS COMEÇA COMO SE FOSSE UMA REFILMAGEM do filme original, de 1999. Existem pequenas diferenças, mas para o espectador acompanhando o desenrolar dos eventos é mais fácil se apegar às semelhanças até Lana Wachowski deixar claro que está brincando com as nossas expectativas. E isso funciona.
Melhor sequência da franquia, deixando para trás os medíocres Reloaded e Revolutions, Matrix Ressurrections acerta em cheio ao fazer piadas com os recentes remakes disfarçados de continuação, como Star Wars: O Despertar da Força e Jurassic World.
Wachowski deixa esse aparente desprezo por produções do tipo ao apresentar os coadjuvantes discutindo sobre a “continuação” de Matrix. É uma deliciosa metalinguagem para relembrar o passado e mostrar consciência sobre o significado/importância da nova continuação.
Após seus minutos iniciais homenageando um dos melhores filmes dos anos 1990, Matrix Resurrections parte para outro caminho. Novamente conduzindo as nossas expectativas, reencontramos Neo (Keanu Reeves), como um premiado desenvolvedor de games, cujo maior sucesso foi a trilogia Matrix. Sem entender o significado desse reencontro, somos levados a acreditar que todos os três filmes anteriores eram a imaginação de um programador. Mas as coisas vão lentamente se revelando.
Se no original a gente conheceu um Thomas Anderson inquieto e em busca do verdadeiro significado da vida, agora acompanhamos um homem acomodado e deprimido, com cabelo e barba de quem está a fim de ultrapassar a linha da chegada da corrida da vida o quanto antes.
O que impede o protagonista de ter outro surto e tentar o suicídio novamente, são as pílulas azuis administradas pelo seu analista vivido por Neil Patrick Harris. Os fãs da franquia nem precisam de muito esforço para lembrar o simbolismo das pílulas, pois a própria narrativa se encarrega de apresentar cenas dos filmes antigos para refrescar a memória.
O nosso protagonista está tão consumido pela realidade da Matrix, que começa a questionar a própria sanidade. Quando o novo Morpheus surge (aliás, a versão do antigo mentor é bastante divertida e substitui os coturnos e sobretudos pretos por roupas coloridas e nada discretas), Neo toma um choque. Afinal, tudo que criou e colocou nos games era, de fato, real.
Esses questionamentos do protagonista geram momentos tão engraçados que nem parece que estamos assistindo Matrix. E ainda que seja um ponto alto, também faz a gente ficar confuso com a metralhadora de informações que é despejada no nosso colo. Quando Neo é finalmente resgatado e chega para reencontrar sua velha conhecida Niobe, o ritmo alucinante é quebrado e causa desconforto.
Durante todo esse momento para estabelecer o universo e seus personagens, eu fiquei tão concentrado que nem consegui ouvir os infelizes ruídos comuns de uma sessão de cinema. No entanto, após conhecermos o novo contexto, o filme demora um pouquinho até engrenar novamente durante o plano de resgate de Trinity. Resta saber se é realmente um problema estrutural da narrativa ou simplesmente uma impressão causada após a avalanche de surpresas e cenas de ação.
Matrix ganhou a atenção do mundo por sua invejável capacidade de trabalhar a jornada do herói dentro de uma narrativa sobre identidade e inconformismo, belas sequências de luta e com efeitos visuais de última geração. Resurrections parece menos interessado em coreografias de combate memoráveis ou revolucionar o mundo novamente. Desta vez, o foco de Wachowski está mais na introdução de novos personagens e construção de uma história de amor com o casal separado por diferentes realidades. Isso não significa, claro, que as lutas são ruins ou que os efeitos visuais deixam a desejar. Muito pelo contrário. Seja nos minutos iniciais ou na ação final que remete diretamente ao original, existem momentos capazes de gerar muita tensão. Existe ainda uma perseguição de moto para comprovar, talvez a sequência mais atraente visualmente falando.
Yahya Abdul-Mateen II (A Lenda de Candyman) e Jessica Henwick (Amor e Monstros) estão brilhantes e fazem a sua parte liderando o elenco de coadjuvantes, mas como disse, Lana Wachowski quis falar de uma história de amor. E reencontrar Reeves e Carrie Ann-moss é o maior presente de Matrix Resurrections. A dinâmica da dupla é especial demais e como o próprio roteiro deixa claro: quando os dois estão juntos, tudo é possível.
Matrix Resurrections cumpre seu papel na franquia, ressuscita o interesse do público e chega muito perto de entrar na lista de melhores continuações de todos os tempos. Agradando fãs novos e antigos, a nova sequência se revela como uma história que a gente não precisava ver, mas que ficamos agradecidos por existir.