O longa foi escolhido como o representante brasileiro para disputar uma indicação ao Oscar 2015 de melhor filme estrangeiro.
O CINEMA LGBT SE ESTABELECEU COMO UM DOS MOVIMENTOS CINEMATOGRÁFICOS mais reverberados das últimas duas décadas, a despeito da intenção de muitos realizadores autorais em transcender isto que consideram ser um rótulo – e que, de fato, o é, assim como todos os gêneros pré-definidos. Porém, mais do que uma ramificação convencional, trata-se de uma reciclagem narrativa espontânea que possui muitas peculiaridades: ao mesmo tempo em que lembra a proliferação dos romances e musicais hollywoodianos nos anos 1930 e 1940, encontra suas raízes no mosaico de sensações do circuito underground, hoje muito veiculado pela internet.
Esta comparação diz respeito não só ao apelo sexual, mas a carências históricas de uma comunidade. Afinal, o fetiche masculino pelo sexo lésbico poderia fazer com se proliferassem muito mais filmes de romance entre duas mulheres, mas, ironicamente, o que se vê é uma quantidade bem superior de histórias entre homens. Protagonistas cowboys (Brokeback Mountain, 2005), policiais (Queda Livre, 2013), surfistas (Shelter, 2007), imigrantes (Felizes Juntos, 1997), judeus (Pecado da Carne, 2009), mórmons (Latter Days, 2003), neonazistas (Brotherskab, 2009), entre outros. De todos os continentes.
O sexismo ainda pauta o cinema, por estar presente na extensa maioria das comunidades – fator principal a ser discutido. Mas, no movimento LGBT, a priorização masculina se converte num propósito: a sensibilidade feminina presente nos homens ganha uma evolução natural sob a perspectiva gay, encarando-se o machismo no tabu que o origina: a aceitação do lado sensível. Na mescla com o universo adolescente, a delícia das primeiras experiências encontra a dor do medo das tradições e imposições da sociedade. Um dos melhores cruzamentos entre os dois universos é o filme inglês Delicada Atração, de 1996, onde a paixão de dois meninos afeta diretamente a relação com suas famílias e o bairro onde vivem.
Para além dos filmes que enfatizam as consequências do preconceito na autoaceitação do homossexual, existem aqueles que mudam o recorte e fitam a experiência afetivo-sexual como um percalço por entre a vida. Uma porta de entrada para as decisões da maturidade. Miram a autodescoberta como um todo, não apenas numa das etapas. O cineasta paulistano Daniel Ribeiro observa este vínculo. Desde o curta Café Com Leite, explora o terreno das (in)certezas e da (in)comunicabilidade entre indivíduos e gerações. Seus personagens são de classe média abastada, não exatamente anacrônica, mas moderada em relação ao uso de tecnologias.
De Eu Não Quero Voltar Sozinho, ensaio de 2010, viral na web, a Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, sucesso no Festival de Berlim e nos cinemas brasileiros, a evolução de uma proposta curta sem muitos desdobramentos para a apresentação longa de suas possibilidades revela o quanto a maturação de uma mesma história contribui técnica e dramaturgicamente para o processo de contá-la. Após um período de anos compondo notas e pausas para a partitura de um projeto, seja qual for o método, o mesmo mostra-se mais rico em detalhes.
A fotografia de Pierre de Kerchove troca o flat pelo scope e as câmeras tremidas por planos mais maquinados. Os desenhos de cena abraçam longas sequências que atravessam campo e extracampo, em conjuntos elaborados de focos e profundidades, como a cena do bullying contra Leonardo (Ghilherme Lobo) ou da discussão com seus pais (Elcir de Souza e Lúcia Romano). Mas o detalhe mais curioso no filme é a observação particular sobre cada um dos personagens do triângulo formado por Leo, Gabriel (Fábio Audi) e Giovana (Tess Amorim), que não se liga ou se fecha, como em teias mais fervorosas (a exemplo de O Sexo dos Anjos, de 2012, ou Glue, de 2006).
Leonardo, cego de nascença, encara a percepção sobre as distâncias, os riscos e as dinâmicas de estar só e acompanhado, a partir dos demais sentidos. A ausência de visão tira também seu véu de cinismo. Gabriel descobre-se não só atraído pelo mesmo sexo, como também numa vivência de atenção à diversidade. Não é mostrado o enfrentamento ao preconceito dos mais velhos, mas sim, tão ou mais importante, numa mesma (nova) geração. E, nas entrelinhas ocultas pela cegueira da atração entre os moços, o filme também fala também sobre rejeição, autoestima e o amor incondicional, através da perseverança de Giovana ao lidar com suas frustrações.
Para um espectador assíduo do cinema LGBT ou dos filmes juvenis, pode parecer uma obra pouco ousada, a julgar pelo seu alinhamento, ou por algumas referências bem recorrentes de objetos e locações. Mas é seu subtexto que encanta: ele convida os mais atentos a adentrar o ambiente multissensorial do apetite afetivo, numa troca de calma e estima pós-romântica, tanto firme quanto suave, que já não martiriza ou “vilaniza” nenhum dos envolvidos. Talvez, na busca de equilibrar a balança das relações humanas, bastante pendente ao lado da agressividade. Ao adulto biotecnológico do Século XXI, surrado de neuroses urbanas, isto é artigo caro e desdenhado.