Crítica de A Assistente: uma experiência angustiante.
O movimento Me Too desencadeou uma série de acusações, investigações, demissões e prisões. O primeiro e, talvez, maior alvo, já está cumprindo sua pena de 23 anos: Harvey Weinstein. Para quem não identifica o nome, tratava-se de um dos homens mais poderosos de Hollywood, dono da Weinstein Company e vencedor de um Oscar (Shakespeare Apaixonado, 1999). É difícil ver A Assistente (The Assistant, EUA, 2019) e não se lembrar do criminoso.
Enredo
A experiência de assistir ao drama de Kitty Green (também roteirista da película) nos faz sentir na pele de quem trabalha numa empresa cujo chefe exala medo e produz um ambiente de trabalho extremamente tóxico. Jane (uma brilhante Julia Garner) é uma jovem extremamente inteligente, graduada em Northwestern, que tem como sonho ser produtora de filmes. No momento, ela é assistente de um executivo semelhante a Weinstein: grosseiro, autoritário e abusivo no nível mais extremo possível. Além de assediar mulheres – geralmente jovens e bonitas -, em troca de trabalho, como se fosse parte da sua rotina.
Green insere os espectadores em um dia de trabalho de Jane, suficiente para nos deixar abismados. Saímos de casa com a protagonista, antes mesmo de amanhecer (ela que abre o escritório), e acompanhamos sua jornada até o fim do expediente. Até lá, é como se fôssemos observadores não-participantes da empresa. Com a personagem, vemos os absurdos à sua volta e aqueles que acontecem com ela mesma.
Angustiante
A palavra mais adequada que encontrei para descrever A Assistente é angustiante. Já trabalhei em lugares com sérios problemas entre chefia e equipe, mas nada nesse nível. Pelo menos que eu saiba. Você não apenas entra na pele de Jane, como começa a sentir a energia pesada daquele ambiente. É um misto de angústia e terror. A maneira como Green mostra tal lugar também ajuda a nos fazer sentir mais: tudo de maneira silenciosa, exatamente da forma como acontece no mundo real.
Decepção é outra palavra que descreve isso tudo para aquela jovem cheia de sonhos. Imagine começar a trabalhar numa das maiores produtoras da indústria e presenciar frequentes abusos contra colaboradores, incluindo você, e ninguém fazer nada. É a famosa “cultura do silêncio”, em que todos sabem o que acontece, mas fingem que está tudo bem porque o causador daquilo é o chefe. E mais: um chefe influente na indústria. Se ele quiser, acaba com a sua carreira rapidamente.
Reflexão
Green nos oferece um filme duro, mas necessário. A Assistente é uma leitura sincera sobre a realidade de diversas empresas, e não somente Hollywood. Dói assistir ao longa, sabendo que este retrata comportamentos comuns e institucionalizados ao redor do mundo. Quando você vive aquilo, talvez seja mais difícil perceber porque você já se acostumou e tem metas a cumprir. No entanto, quando você vê por fora e cai na real, é um baque enorme.
O pior de tudo é que esses tipos de abusos dificilmente serão eliminados de ambientes de trabalho, pois a partir do momento em que se dá poder a pessoas autoritárias e abusivas, para tirá-las dali demora. Ou nunca acontece. Veja o próprio exemplo de Weinstein (décadas assediando e estuprando mulheres), e outros casos que nunca saberemos, é claro.
Veredito
Viver durante uma pandemia é um desafio inédito para muitos. Por isso, também pode ser desafiador ver um filme tão intenso. Só que, por mais que seja angustiante, os cerca de 90 minutos valem cada segundo. Precisamos falar sobre assédio e denunciá-lo. Precisamos de ambientes de trabalho pautados pelo respeito e valorização de pessoas, e não o contrário.
Crítica de A Assistente: uma experiência angustiante.