Crítica: Dançando no Silêncio (2022)

O amor pela arte, independente do formato, pode salvar, transformar e fazer com que uma pessoa se descubra mais forte do que ela imagina. Mais do que isso, em situações extremas, novas manifestações artísticas podem ter efeito terapêutico e pegar para si o protagonismo da vida de um indivíduo. Dançando no Silêncio (Houria), filme da franco-argelina Mounia Meddour, que ficou conhecida por Papicha (Idem, 2019), mostra o desafio enfrentado por uma jovem. 

Houria (Lyna Khoudri) vive na Argélia e carrega em seus ombros a determinação de ajudar a mãe financeiramente e, ao mesmo tempo, o sonho de ser uma bailarina profissional. A sua realidade é a de trabalhar como camareira e recorrer a meios alternativos para complementar a renda.

Houria se divide, então, entre essas três atividades: dança, emprego de camareira e a aposta em rinhas de carneiros. O trabalho da atriz, ao mostrar a diferença de energia e de segurança em cada posição, é algo a ser observado. Enquanto dança, Houria transmite leveza, graça e feminilidade; enquanto trabalha e interage com amigas da área, seu rosto apresenta algo mais próximo à disciplina e sacrifício, ainda que ela tenha seus momentos de descontração; enquanto apostadora, ela se mostra mais apreensiva e reativa.

É neste terceiro papel que acontece o inesperado: ela é atacada e fica gravemente ferida. Os machucados em seu corpo, apesar de trazerem tanta dor física, não se comparam ao dano emocional que a jovem sofre. Desesperança, impotência e tristeza são alguns dos sentimentos transmitidos pelo olhar de Lyna Khoudri, que faz um trabalho primoroso alternando tantas emoções.

A história se desenvolve bem e traz dramas secundários, mas que fazem sentido à  história de Houria. Apesar de, desde o começo da história, ela estar cercada por mulheres, é quando se vê em recuperação que ela percebe que não está sozinha.

Enquanto grupo, cada uma das mulheres mostradas na narrativa têm a sua importância singular. Houria precisa encontrar o seu lugar em um grupo desconhecido. Penetrar este novo campo é muito mais do que um apoio para a sua recuperação, é também a oportunidade da jovem descobrir a diferença que ela pode fazer na vida de cada uma das mulheres que a cercam.

À primeira vista, o espectador pode acreditar que Dançando no Silêncio tem muitas semelhanças com O Próximo Passo (En corps, 2022) exibido no Festival Varilux 2022. As protagonistas de ambos os filmes precisam passar por mudanças inesperadas, porém a jornada de Houria é em relação ao mundo externo, enquanto Elise (Marion Barbeau) precisa priorizar sua mudança interna.

A câmera em Dançando no Silêncio, sempre muito próxima aos personagens, atrapalha um pouco nas cenas de dança e prejudica a percepção do espectador sobre a coreografia. É como se a gente estivesse perto demais de uma obra de arte e percebesse a sua beleza, mas que nos fosse negado o direito de se afastar um pouco para apreciar e perceber os detalhes da obra.

O cinema de Mounia Meddour é potente e escancara a união feminina quando uma mulher está prestes a cair. Em uma sociedade que, claramente, minimiza a angústia feminina enquanto explora a força física e emocional das mulheres, é reconfortante “dar de cara” com quem consegue se destacar em um meio tão masculino e mostrar do que somos capazes quando nos unimos.

Assim como a cineasta libanesa Nadine Labaki (Caramelo, 2007) e a saudita Haifaa al-Mansour (O Sonho de Wadjda, 2012) Meddour tem força em sua direção e consegue construir personagens colocadas à prova.

Dançando no Silêncio chega aos cinemas com distribuição da Pandora Filmes.

 

 

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=Xs42rtmVT_Q