Crítica: A Cidade dos Abismos (2021)

O centro da cidade de São Paulo é o pano de fundo de A Cidade dos Abismos, longa de estreia da dupla Priscyla Bettim e Renato Coelho, conhecidos pelos curtas-metragens como Visão 2013 Para Roberto Piva (2013), Trem (2015) e A Propósito de Willer (2016). O filme mostra a metrópole como um lugar com as suas próprias leis e capaz de oprimir os menos privilegiados. 

O suspense começa na véspera de Natal, quando muitos estão com as pessoas que amam e outros, sozinhos. É nesta data especial que Glória (mulher trans), Bia (jovem de classe média) e Kakule (imigrante africano) testemunham o assassinato de uma travesti. Involuntariamente, eles se tornam cúmplices e precisam, então, sobreviver à selva e, ao mesmo tempo, não permitir que o crime fique impune.

A arte, antes de mais nada, é uma ferramenta de denúncia eficiente, independente do formato e da manifestação. A Cidade dos Abismos faz uso de sua linguagem para denunciar a transfobia, o preconceito, o racismo e a violência policial presentes em São Paulo.

A cidade, muitas vezes, mostrada como glamourosa, moderna e com muitas oportunidades, esconde um submundo de manifestações artísticas menosprezadas e incompreendidas, além de trazer um caminhão de preconceitos contra minorias e abuso de poder. É principalmente à noite que o monstro da insegurança e da vulnerabilidade se mostra ainda mais presente e impiedoso, enquanto quem vive à margem da sociedade precisa enfrentar seus medos e passar por cima de tudo para ter, ao menos, o direito de sonhar.

Quem olha de longe pode acreditar que enxerga as particularidades de São Paulo, mas somente um olhar apurado e um mergulho na noite da cidade podem trazer à tona as diversas faces que um lugar ocupado por realidades tão distintas. Glória, Bia e Kakule são um exemplo da mistura feita nesse espaço. São realidades difíceis, porém cada uma com a sua característica própria e só escapa os mais afortunados.

A narrativa de A Cidade dos Abismos é carregada de suspense e de elementos do cinema noir, como uma espécie de mistura de influência e de homenagem ao gênero. O experimental é uma característica forte no longa e se revela como parte importante da identidade da direção da dupla. Isso pode, porém, afastar o espectador mais acostumado ao convencional. Ao mesmo tempo, é algo que pode cativar uma camada bem pequena e específica do público, aquela interessada no cinema de nicho, em tudo que é autoral e que é ousado.

É o cinema brasileiro mostrando que mantém a sua vertente no suspense ativa e revela os nomes de Priscyla Bettim e Renato Coelho como tópico a ser acompanhado.

Após exibição em diversos festivais A Cidade dos Abismos chega ao circuito nesta quinta-feira, 11 de maio, pela Boulevard Filmes.