AO FINAL DE CÓPIA FIEL , só o que resta é a dúvida sobre a realidade de toda a narrativa que se acabou de ver. Não aos moldes de A Origem de Nolan, que instaurava tal dúvida sem abrir mão de uma narrativa bem estabelecida (embora não linear), mas mais à moda de um Funny Games de Hanneke ou de Desejo e Reparação, de Joe Wright. O universo em que a trama se passa é real. No caso do filme em questão chega a ser até ordinário e idiossincrático. Mas como espectadores não estamos acostumados a ver papéis se desestabelecerem sem prévio aviso ou motivação maior. A história escrita e dirigida pelo iraniano Abbas Kiarostami não nos leva a um lugar de respostas ou finais conclusivos. Deixamos aqueles personagens sem saber o que eles de fato eram. E isto através de um exercício metalinguístico delicado e por isso mesmo assustadoramente belo de cinema, ressaltando o que este meio de expressão artística tem de mais precioso e caro: a capacidade de representar verdades e de nos sugar para elas. Capacidade tão forte quanto frágil.
Nada no filme salta ao olhar, exceto as belas locações na Toscana e a interpretação dúbia, quase esquizofrênica da sempre excepcional Juliette Binoche com sua Elle: ao ir a um evento de lançamento de um livro que fala – vejam só o detalhe, sobre a natureza da obra de arte e sua originalidade, ela dá seu telefone ao agente do autor da obra, James Miller (William Shimell, cantor de ópera em uma estreia competente na atuação) pensador inglês com quem mais tarde sairá para um passeio pelas ruelas da cidade, por museus, cafés e contato com pessoas comuns, como num road movie em pequenas distâncias.
Entre conversas sobre arte, sobre a irmã com gosto simples (e por isso privilegiada), sobre filhos, casamento, felicidade e inspiração, os dois, aparentemente desconhecidos, começam a jogar um jogo com regras obscuras, mas com resultados claros: fazem-se passar por marido e mulher, com 15 anos de casamento, com todos os conflitos e sentimentos inerentes a esta situação. Mas será só isto mesmo?
Sem maiores explicações, silenciosa e bruscamente, nos vemos num lugar de dúvida e às vezes de desconforto: quem são Elle e James? Que relação é aquela? Serão um casal se reencontrando? Será um estranho jogo de sedução? A resposta nunca se saberá. Cada um terá a sua ao final do filme. Os discursos que se sucedem não encontram resolução, nem a questão central do filme encontrará.
Com isto, Abbas Kiarostami roda seu primeiro filme fora do Irã, falado em várias línguas, repleto de pontas soltas e que ainda assim se sustenta como uma obra completa, mas nunca fechada, por justamente colocar em cheque a possibilidade do cinema como veículo de verdades. Em Cópia Fiel a originalidade está em cheque e a representação ganha dimensões e funcionalidades maiores que seus 106 minutos. Pense num filme com uma não-história: isto é Cópia Fiel, e qualquer filme que consiga alcançar tamanha significação de forma simples e direta, merece aplausos.
Título original: Copie Conforme
Direção: Abbas Kiarostami
Produção: Angelo Barbagallo, Nathanaël Karmitz, Abbas Kiarostami
Roteiro: Abbas Kiarostami
Elenco: Juliette Binoche, William Shimell, Jean-Claude Carrière,Agathe Natanson, Gianna Giachetti, Adrian Moore, Angelo Barbagallo, Andrea Laurenzi, Filippo Trojano
Lançamento: 2010
Nota: [cinco]