MICHAEL FASSBENDER SALVA O COURO DE RIDLEY SCOTT NO CONFUSO O CONSELHEIRO DO CRIME. Muito bem acompanhado de um excelente elenco de apoio, o ator de Shame é o grande destaque da obra escrita por Cormac McCarthy (autor dos livros Onde Os Fracos Não Têm Vez e A Estrada). Não é nenhum absurdo dizer que Fassbender é o principal motivo para se gastar uma graninha no cinema durante o final de semana. Só não é o único porque ainda temos Penélope Cruz, Cameron Diaz e um inspirado Javier Bardem, além, claro, do galã Brad Pitt.
A premissa do filme é promissora, assim como o trailer é sedutor: Um advogado (Fassbender) se envolve com um traficante de drogas para conseguir dinheiro fácil, mas acaba no meio de uma situação totalmente fora do seu controle quando o cartel é roubado e ele é o principal suspeito de estar envolvido.
Os espectadores mais atentos conseguirão prever exatamente o que irá acontecer, já que o roteiro de McCarthy não faz muita questão de criar suspense. Cameron Diaz, que provavelmente nunca terá uma oportunidade melhor de mostrar serviço, está excelente na pele da manipuladora Malkina. Em momento algum é possível sentir confiança na personagem, que parece movida pelos seus próprios interesses e capaz de passar por cima de qualquer um que ouse confrontá-la. No entanto, a previsibilidade nem é um problema do roteiro, já que o foco está no personagem de Fassbender e seu cruel destino. Nesse sentido, o filme acerta em cheio e ficamos angustiados junto do personagem, que se revela ser apenas um homem de aparências e impotente diante as consequências das suas escolhas. O verdadeiro problema está na maneira confusa como tudo é simplesmente jogado na tela, o que faz o espectador sentir a necessidade de rever o filme para, quem sabe, conseguir entender de verdade tudo que aconteceu em relação ao roubo da carga dos traficantes e do motoqueiro contrabandista sem cabeça que ferra a vida do Fassbender. E mais ainda: sacar qual era a necessidade de enfiar o John Leguizano (Kick-Ass 2) e o Hank (Dean Norris, da série Breaking Bad) no meio de uma cena completamente desnecessária.
Foi o tempo em que eu defendia que o roteiro de um filme era mais importante que o trabalho de um diretor, portanto não existe a menor possibilidade de culpar a pegada inexperiente de McCarthy e livrar o pescoço de Ridley Scott, que aparentemente ligou o foda-se geral e deixou as coisas acontecerem. Quando uma pessoa quer rever uma obra, ela costuma fazer por prazer, e isso é bom, pois percebemos novos detalhes, mas no caso de O Conselheiro do Crime, a revisão é necessária para compreender a função dos personagens secundários e as complicações apresentadas pelo roteiro. Ou seja, se a intenção de criar poesia trágica maluca foi intencional, não só foi uma imensa falha, como deixa no ar a impressão que o suicídio de Tony Scott no período em que O Conselheiro do Crime era filmado pesou nos ombros de Ridley. Uma pena.
Mesmo com seus problemas estruturais, é possível tentar enxergar uma espécie de “moral da história” na obra. Diante uma visão tão negativa do mundo (algo sempre presente nos textos de McCarthy), assistimos à destruição completa de um homem de bem após fazer uma escolha errada. Com tantas produções glamourizando o crime, chega a ser um tanto surpreendente assistir a uma obra que tenta mostrar o outro lado: o das pessoas que se dão muito mal. Pessoas boas e ingênuas, como o Advogado, não sabem lidar com os perigos de uma vida fora da lei e merecem as consequências de suas ações. Por outro lado, aqueles que são ruins de corpo e alma, escapam ilesos. Talvez por terem perdido as próprias almas há muito tempo e serem movidos apenas pela ganância. No caso dos homens de O Conselheiro do Crime, a ganância é substituída por um perigo ainda maior: a paixão pelas mulheres.
O exótico traficante interpretado brilhantemente por Javier Bardem está perdidamente apaixonado por Malkina, uma mulher considerada perigosa justamente pela sua inteligência (meio machista, não?). Dessa paixão, naturalmente, nasce a paranoia. Os espectadores são premiados com um hilário desabafo do personagem, que conta como foi que começou a temer Malkina. Cameron Diaz, como já disse acima, está em seu melhor papel no cinema até o momento. Ela é a encarnação do interesse, uma autêntica mulher capricorniana, provavelmente, e suas expressões transmitem toda a sua ganância e dissimulação. Penélope Cruz está linda como a noiva religiosa, e que não tem a menor ideia das ações do futuro marido advogado. As duas figuras femininas são apresentadas como uma espécie de troféu para ser mantido e sustentado, o motivo para que esses homens escolham correr sérios riscos. Brad Pitt explicita essa necessidade masculina pelo feminino num personagem caricato, mas que resume o filme ao dizer que nunca conseguiu deixar a vida criminosa por causa das mulheres. O seu destino é justo, e demonstra a eficiência de McCarthy em juntar as pistas dadas ao longo da história (o que reforça a minha tese de que o culpado pelo caos do filme é o diretor e Pietro Scalia, montador responsável por O Conselheiro do Crime e de diversas outras obras, como O Espetacular Homem-Aranha e Kick-Ass, além de outros filmes do próprio Ridley Scott).
Mas o grande trunfo do longa-metragem é (mais uma) atuação genial de Michael Fassbender. Seu personagem pode nem ser tão desenvolvido assim, mas a desconstrução da frieza do Advogado é de tirar o fôlego. Ficamos desconcertados com o quanto ele perde o controle da situação e se torna apenas um homem fraco. Fassbender chora, o nosso “herói” se humilha e se conforma com o destino cruel que bate em sua porta.
Embora tenha desperdiçado todo o seu potencial para ser bem mais do que apenas um “bom filme”, O Conselheiro do Crime consegue se sustentar graças ao carisma e eficiência do seu grande elenco. E é uma pena que sejam justamente os atores que roubam a cena, literalmente, quando por trás das câmeras está um cineasta tão competente quanto Ridley Scott. Um estudo de personagem excelente, mas que fracassa no principal: contar uma boa história.
Nota:[tres]