DOIS ANOS ANTES DE DIRIGIR ROBOCOP, o cineasta holandês Paul Verhoeven levou para os cinemas o violento Conquista Sangrenta. Estrelado pelo parceiro Rutger Hauer e por uma jovem (e deliciosamente sensual) Jennifer Jason Leigh, o longa-metragem não economiza nas cenas gráficas de nudez, sexo e mortes. Confesso que tive uma certa preguiça inicial quando vi que era uma história de época, mas a putaria desenfreada logo nos primeiros minutos garantiram a minha completa atenção. Felizmente fui recompensado com aquele que (até o momento) considero como um dos trabalhos mais interessantes de Verhoeven, que assim como RoboCop, também tem uma bela trilha sonora criada por Basil Poledouris.
Conquista Sangrenta (Flesh & Blood, no original) conta a história de um grupo de mercenários que é traído pelo Rei e então juram vingança. Liderados por Martin (Hauer), os soldados sequestram a princesa virgem que se casaria com o filho do Rei e passam a viver da riqueza e conforto conseguidos na base da porrada em cima dos antigos moradores de um nobre castelo. Tudo isso colocando sexo como pano de fundo e parte fundamental da história, já que a maioria das mulheres em cena são prostitutas e a época libertina incentivava o comportamento selvagem das pessoas.
Uma das coisas mais curiosas dos filmes de Verhoeven é o seu fetiche em apresentar os olhos esbugalhados de algum defunto. O trabalho de maquiagem, ainda que tecnicamente limitado por conta da época em que o filme foi feito, é excepcional e o tal olho pode ser visto no momento em que os dois herdeiros reais flertam ajoelhados diante um homem enforcado. Em Vingador do Futuro e Instinto Selvagem (quando Sharon Stone afunda o picador de gelo na sua primeira vítima) é possível perceber o efeito especial tosco do olho. Mas todas restrições técnicas são compensadas justamente pela narrativa ágil de Verhoeven, que se apoia no carisma de seus atores para fazer a trama de vingança fluir rapidamente, apesar das duas horas de duração.
O título original faz uma referência aos elementos principais vistos no filme. O sangue está incluído tanto nas batalhas sangrentas que preenchem a maioria das cenas quanto na primeira vez que a jovem princesa é estuprada pela primeira vez. O conceito de “carne” pode ser aplicado da mesma maneira. Verhoeven cria um filme interessante e deixa a personagem de Leigh no meio de um conflito ideológico e dividida entre dois homens tão distintos: ela não sabe se permanece ao lado do seu sequestrador ou se faz o que é certo e volta para os braços do seu futuro marido. Durante Conquista Sangrenta o espectador acompanha a evolução da personagem de Leigh e descobre que o tempo todo ela estava buscando a sua própria sobrevivência, mas que não conseguiu evitar se apaixonar pela brutalidade irracional representada por Hauer.
Diga-se de passagem, a atriz faz o melhor papel de sua carreira e não faz concessões quanto a aparecer em cenas de sexo, sendo que na primeira delas ela é vítima de um estupro curioso. Cercada pelo grupo de mercenários, só lhe resta aceitar o seu destino depois que descobre ser inútil resistir, mas algo diferente acontece e ela deixa de ser uma menina aparentemente indefesa para se transformar em uma mulher e deixar os ânimos de Hauer exaltados, praticamente invertendo a situação e trocando os papéis de vítima e algoz.
Conquista Sangrenta surpreende pela sua qualidade e pela sua história de conto de fadas subversiva, mas dificilmente agradará o público feminino comum, que poderá torcer o nariz para as perversões de Verhoeven e achar que tudo não passa de uma grande desculpa para tratar a mulher como sexo frágil e expor seus corpos. Eu, como um cara que não resiste a nenhuma produção que não tenha frescura em mostrar as coisas do jeitinho que elas são, fiquei surpreso com a qualidade do material e comecei a refletir sobre como alguns filmes dos anos 80 conseguiam misturar safadeza com inteligência com tanta eficiência, especialmente pelas mãos de cineastas como Paul Verhoeven.
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