Rezou Pouco e Comeu Demais, logo deu indigestão!
Sabe aquela velha história de que quanto mais você ora mais perto de Deus você chega e quanto mais você medita mais conhece a sí mesmo? Pois é, Elizabeth entendeu direitinho. Ela fez a lição de casa, achou seu equilibrio, escreveu um puta livro, riquíssimo em detalhes, o entregou nas mãos de Ryan Murphy e claro… Ele fez Merda! Aliás, devo dizer que não é de agora que tenho problemas com o diretor em questão. A imensa capacidade que Ryan tem de pegar personagens especiais, complexos e delicados e tornar tudo main stream, com uma figura bonita para o público se identificar. E foi isso que ele fez comElizabeth Gilbert e sua fantástica jornada em busca de sí mesma em Comer Rezar Amar.
Claro que seria muita pretensão achar que 1 ano de histórias e mais de 340 páginas caberiam por completo em um filme de 2 horas, nem cabe aqui fazer o tipo “amei o livro e detestei o filme”, ambos tem pontos bons e ruins. Agora, fazer uma colagem com as histórias, foi de uma insensibilidade sem tamanho do diretor. Como o livro é muito lento e com a primeira parte extremamente cansativa, esperava que o filme pudesse vir para dar uma abreviada nessas historinhas soltas sobre a Itália e trouxesse um grande foco sobre a experiência que transformou a vida da autora na Índia. Mas como para Ryan nunca é sobre a experiência e a profundidade do personagem, vimos um filme extremamente superficial e com extrema ênfase em imagens. Como se a viagem de Elizabeth tivesse sido para descobrir o mundo e não à sí mesma.
Para efeito de esclarecimento Comer Rezar Amar é a história de Elizabeth Gilbert que após dois relacionamentos afundados em Nova York decide viajar 1 ano pelo mundo em busca de sí mesma e de sua essência. Para Isso vai até a Itália aonde ela permite-se, depois vai para a Índia aonde aprende a se disciplinar, se conhecer e tomar as rédeas de sua complicada vida e em seguida vai pra Bali, aonde pretende achar o equilíbrio das duas coisas e passar seus dias ensinando inglês para um Xamã, mas no fim das contas acaba achando o amor. A história é uma experiência de transformação de vida, de hábitos e de comportamento. E claramente Ryan Murphy não entendeu qual era a proposta.

Toda a história da separação e dos conflitos de Elizabeth com seu marido foram tratados com muita levianeidade e extremamente sem capricho. Em um minuto a personagem estava conversando com o Stephen e no minuto seguinte estava chorando no banheiro, que por sinal era o momento mais importante de toda a história e foi tratado com completo descaso. Além disso, o relacionamento com David, as idas e vindas, a dependência e depreciação mútua, foi tudo desmistificado e simplificado a acreditem, apenas uma fala de desapreço do moço. Acredito que apesar de ser fruto de um livro, o filme tem de ser auto-explicativo, e sinceramente não é o que vemos em Comer, Rezar Amar, passando a impressão para o espectador de que Elizabeth Gilbert é a mulher mais fútil do mundo, assim como todos os personagens de Ryan Murphy.
Transformar Comer Rezar Amar em uma sequência de cenas não marcantes, e não dar a personagem principal um drama realmente relevante, fez com que o filme não tivesse uma heroína. Exatamente o oposto do livro. Julia Roberts passa apagada do começo ao fim, perdendo o tempo todo para os personagens com quem contra-cena, e apesar de ter um lindo sorriso e uma constante presença de cena não chega nem aos pés do charme desengonçado de Elizabeth. E além disso não exprime em nenhum momento a tão falada transformação que a personagem sofreu, é o mesmo estereótipo tanto na Itália, na Índia quanto na Indonésia.
Agora, devo tirar o chapéu para a parte da Itália. Comer é sem dúvidas a parte mais chata do livro e Ryan conseguiu transformar em um apanhado de cenas marcantes e que sem dúvidas captou toda a ênfase do livro. Apesar de reduzir os gêmeos à apenas Giovanni e fazer Luca Spaghetti (torcedor fanático do Lazio) torcer pelo Roma, nada tira o encanto da cena em que Liz resplandece os olhinhos ao degustar seu primeiro Spaghetti na itália. A Itália no geral foi muito bem trabalhada. A divertida cena dos Jeans que não entram mais, a delicada cena que ela aprende falar italiano com Giovanni, a do thanksgiving à romana, foram todas muitos boas. O filme deixou muito a desejar na ida à Nápoles, mas compensou com a cena do Augusteum e toda a comparação que a autora faz do monumento com sua vida.
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Aí, do nada, sem uma cena de avião (o que não acontece em momento algum do filme) a personagem aparece em meio ao trânsito caótico, as crianças pedintes e as vacas indianas. Algo que por sinal me irritou profundamente, novamente o diretor trata erroneamente de paisagens. Porém o tour na Índia é diferente, por dentro da alma de Liz, mostrando suas angustias e perturbações. Mas Ryan insiste em o tempo todo mostrar a cultura indiana, as pasagens em volta do templo, pois afinal darão imagens bonitas. Dá-se pouquíssimo espaço as cenas de meditação, as indagações de Liz, e a cena da dança com o Stephen é fraca, deturpada e muito rápida. A Índia seria um completo desastre se não fosse Richard Jenkins.
Richard Jenkins foi maravilhoso, com uma atuação irônica, simpática e cativante representou em cheio a proposta da autora para o Richard do Texas. Eu já era fascinado pelo personagem, todo seu humor sem apelação, a amizade devotada a Liz e com o Richard Jenkins o interpretando ficou mais incrível ainda. Os trejeitos, a preocupação no olhar, o sotaque, em tudo Jenkins foi satisfatório. Conseqüentemente roubando a cena de Julia Roberts praticamente em toda a Índia.

Enfim, apesar de toda superficialidade, Comer Rezar Amar é uma boa pedida para quem está fim de ir no cinema ver um monte de imagens bonitas e não dá a mínima para um roteiro digno. Pois foi isso que Ryan Murphy fez. Pegou uma grande história, que foi best seller em todo o mundo (de massa, mas ainda assim melhor que isso), um puta elenco de primeira, e transformou tudo em um filme água com açúcar, sem noção de timing e com uma péssima evolução. Resultado: ganhou 4,7 no IMDb, faturou apenas 20% a mais que os gastos com o filme e fadou Elizabeth Gilbert ao fracasso nas telonas.