O Diário de uma Babá é um filme surpreendente. Sabe aquelas seções da tarde super despretensiosas, mas extremamente bem feitas, inteligentes e que no fim nos deixam com uma pontinha de “eu assistiria de novo tranqüilamente”? É mais ou menos isso.
Dos mesmos diretores de Um Anti-herói Americano, O Diário de uma Babá tem em comum com aquele filme as brincadeiras visuais, embora aqui mais contidas, na medida certa sempre. Tudo para contar a história de Annie Braddock (Scarlett Johansson) que recém formada em Antropologia acaba tendo que se contentar com o emprego de Babá já que suas tentativas de ingressar em grandes empresas soam sempre frustradas (por falta de identificação, nunca de talento diga-se de passagem). A coincidência de sobrenomes com o protagonista de A Primeira Noite de um Homem não é mera coincidência! E embora trabalhe em algo aparentemente distante da sua formação ela não deixa de agir como a antropóloga que estudou para ser. Notem a primeira seqüência do filme, quando ouvimos a voz de Annie enquanto analisa diversos tipos de civilizações e suas relações familiares: é um estudo dos comportamentos e idiossincrasias que ela faz, e nada mais adequado que retratar os objetos observados como peças de um museu, prontos para ser analisados.
Este caráter “distanciamento sujeito que pesquisa x objeto pesquisado”, típico de qualquer antropólogo (assistam o filme ao lado da irmã que estuda Ciências Sociais e saberão do que estou falando…) é utilizado como uma forma de retratar a relação de Annie e as pessoas a sua volta: os patrões não têm um nome próprio. Ao ser tomados como objetos de estudo, ambos são chamados durante todo o filme de “Sr. e Sra. X” (Paul Giamatti e Laura Linney, sempre ótimos). Assim como o bonitão do prédio que recebe o nome de “Bonitão Universitário” (Cris Evans e sua simpatia costumeira). E este comportamento parte de todos os lados já que Annie sempre será chamada de “Babá”.
O que está em questão num primeiro momento do filme são os papéis sociais desempenhados por todos: quando pensamos que os rituais de tribos tidas como selvagens nos soam estranhos, o que dizer de “fêmeas que gastam a maior parte do tempo com auto-mutilação (entende-se cirurgias plásticas) e atos de auto emagrecimento (leia-se bulimia)”? As coisas podem mudar a partir do momento em que entendemos o outro para além daquele estereótipo que nos é apresentado inicialmente. Aí se inicia uma segunda parte do filme.
É quando a pesquisadora Annie se vê por demais envolvida com seu objeto de estudo, que fica inevitável não interferir. Se o casamento de seus patrões não está muito bem, e se ela pode ajudar para que algo melhore, ela o fará mesmo que sacrificando parte da sua vida pessoal (recusando um convite realmente irrecusável de Cris Evans!!). Mas se ela o faz, é pensando no pequeno Grayer (Nicholas Art) que só precisa de um pouco de atenção que parece ter encontrado na sua nova amiga Annie.
O filme tem uma trilha sonora deliciosa, que vai desde George Michael até Lily Allen. A fotografia remete à ilustrações de livros de história, e o elenco está muito afiado: Laura Linney, como sempre competente, consegue fazer uma Sra X. antipática e insensível a princípio, embora tenha uma humanidade que é quase sempre obrigada a esconder em favor de um casamento de fachada; Paul Giamatti, é convincente como o pai distante que acredita que trocar algumas palavras com o filho quando chega em casa já é suficiente para demonstrar um pseudo-carinho; Cris Evans abre um sorriso em cena e está tudo resolvido; e finalmente temos Scarlett Johansson, que consegue segurar um filme leve, sem que este se torne chato, ou sua personagem uma coitadinha que sofre nas mãos dos patrões maldosos.
É um filme divertido e com ótimas sacadas (a festa à fantasia por exemplo, com uma criança fantasiada de Bush chorando nos braços da Condoleezza Rice), e sobretudo inteligente. Se todos os filmes “bobinhos” fossem assim…