ADOTAR UMA PREMISSA QUE ENVOLVE VIAGENS NO TEMPO (bem como suas implicações naturais) é um dos únicos riscos assumidos por As Aventuras de Peabody e Sherman – considerando-se, é claro, que se trata de um filme voltado para o público infantil. Em contrapartida, em praticamente todos os demais aspectos, a nova animação da DreamWorks/PDI aposta em fórmulas testadas exaustivamente e consagradas não só pela divisão de animação da própria produtora, como também pelos estúdios concorrentes – e embora a balança tenda para um saldo positivo, o déficit de frescor e arrojo na produção é notável.
Inspirado nos personagens criados por Ted Key para um segmento da série de animação Alceu e Dentinho, produzida por Jay Ward, o roteiro nos apresenta ao Sr. Peabody (Ty Burrell, na versão original, e Alexandre Borges, na versão brasileira), um cachorro falante e altamente intelectualizado que detém a tutela do garoto humano órfão Sherman (Max Charles). Dono de uma máquina do tempo inventada por ele próprio, Peabody preencheu a infância do rapaz com visitas aos mais diversos eventos da História e contato com um sem número de figuras históricas emblemáticas, graças às quais Sherman eventualmente viria a se tornar um nerd sedento por conhecimento. Nessas circunstâncias, após sofrer bullying no primeiro dia de aula, o garoto leva a coleguinha Penny (Ariel Winter) por uma viagem pelo espaço-tempo e acaba perdendo-a no Egito Antigo.
Dirigido por Rob Minkoff, cineasta mais bem sucedido em animações (O Rei Leão) que no campo do live action (Mansão Mal-Assombrada), As Aventuras de Peabody e Sherman adota uma preguiçosa estrutura de road movie que inevitavelmente torna a narrativa episódica: cada uma das paradas de Peabody, Sherman e Penny ao longo da viagem de volta ao presente (causadas por fatos bobos ou absurdos como “falta de energia da nave” ou “aparição repentina de um buraco negro no trajeto”) se estabelece como um segmento com historinha própria, com pouca dependência entre si e raramente contribuindo para o desenvolvimento geral da narrativa ou dos personagens – e, quando o faz, investe em um terrível e previsível conflito causado pelo choque entre a secura e a formalidade de Sr. Peabody e a emotividade de Sherman na relação pai-filho.
Além disso, o roteirista Craig Wright acaba se embaralhando com algumas implicações da viagem no tempo, mesmo que o filme não a explore com profundidade; basta observar que o roteirista simplesmente ignora que, no terceiro ato, duas Pennys coexistem na linha de tempo do presente, o que poderia alterar toda a dinâmica do desfecho. Por outro lado, as releituras despretensiosas e a simplificação exacerbada dos eventos históricos visitados pelos personagens respondem por boa parte da graça da animação, embora o aspecto educativo dessas decisões possa ser questionado pelos mais sisudos.
Já o restante do charme de As Aventuras de Peabody e Sherman reside nas apostas seguras que citei no primeiro parágrafo: o visual estilizado dos personagens e cenários (não seja tolo de esperar por formas geométricas muito simétricas), a natureza cartunesca do universo e seus habitantes (dos indivíduos que usam óculos desde bebês até as colisões impactantes que não resultam em qualquer trauma para os envolvidos), a abundância de sequências de ação (sempre decupadas levando em consideração a melhor apreciação na versão em 3D), a frequência intensa de gags e a excentricidade (por vezes tendendo levemente à histeria) dos personagens contribuem para que o filme represente uma experiência divertida, mas nada muito além disso.
Apresentando uma ou outra gag inspiradíssima (as aparições da criança criada por Leonardo Da Vinci são hilárias pela simplicidade e despretensão nonsense) e contando com um trabalho razoável de Alexandre Borges na versão brasileira, As Aventuras de Peabody e Sherman merece reconhecimento por unir os elementos citados acima sem se tornar uma aberração como Meu Malvado Favorito, mas tampouco exibe força para dar início a uma franquia ou permanecer por muito tempo na memória do público.
Título original: Mr. Peabody & Sherman
Direção: Rob Minkoff
Gênero: Animação/ Aventura
Roteiro: Craig Wright. Baseado em personagens da série produzida por Jay Ward
Elenco de vozes: Ty Burrell, Max Charles, Ariel Winter, Allison Janney, Stephen Colbert, Leslie Mann, Stanley Tucci, Lake Bell, Patrick Warburton e Mel Brooks.
Lançamento: 28 de fevereiro de 2014
Nota:[tres]