O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de As Golpistas possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
SE FOSSE DIRIGIDO POR UM HOMEM, AS GOLPISTAS (Hustlers, 2019) perderia bastante do seu charme e sensibilidade na forma de retratar strippers sem apelar para a objetificação do corpo feminino. Sob a direção de Lorene Scafaria (Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo), que também assina o roteiro, o longa-metragem mostra um lado até então desconhecido da crise financeira dos anos 2000: como a falta de dinheiro afetou as dançarinas de boates adultas.
Estrelado por Constance Wu e com Jennifer Lopez mostrando todo o talento que negou ao público cinéfilo ao longo de sua carreira (como o clássico dos infernos Anaconda), As Golpistas conta a história de quatro strippers que se unem para realizar golpes em seus “clientes” ricaços, após sofrerem com a falta de serviço/gorjetas nas boates outrora lotadas.
Espécie de “bastidores” de O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, ou versão feminina de Magic Mike , o grande trunfo da produção é apresentar o começo da carreira de uma dançarina de stripper, que acaba acolhida pela veterana vivida por Lopez. Impossível não lembrar de Striptease, com Demi Moore, e mesmo o subestimado Showgirls, de Paul Verhooven, mas Scafaria tenta seguir um caminho diferente: a diretora roteirista aposta num clima que remete aos trabalhos de Steven Soderbergh e aprofunda sua narrativa aos poucos.
Toda a história é contada a partir da perspectiva de Destiny (Wu), que durante uma entrevista para uma jornalista, conta todo o começo da sua carreira e como foi exatamente que Ramona (Lopez) iniciou seus golpes. Ou seja, a narrativa vai e volta várias vezes, sempre deixando o espectador com aquela sensação de curiosidade que é saciada aos poucos.
A crise de 2008 modificou completamente o comportamento dos grandes executivos de Wall Street. Sem dinheiro sobrando, as “festas” em boates de strip (e vamos deixar claro que striptease não envolve sexo; as protagonistas de As Golpistas são dançarinas, não prostitutas) deixaram de acontecer com frequência. Exatamente por isso que Ramona tem a ideia de drogar seus “velhos clientes” e arrancar verdadeiras fortunas deles.
Não me entenda mal: é um filme em que temos muitas cenas com mulheres semi-nuas, mas todos filmados com classe e sem precisar de closes exagerados e zero sensuais. Scafaria sabe muito bem que a beleza do corpo feminino dispensa uma câmera faminta para saciar os desejos masculinos, e faz isso com maestria. A arte de combinar humor com sensualidade não é das mais simples e o resultado é realmente prazeroso.
As Golpistas é um belo exemplar de como determinadas pessoas conseguem nos surpreender. Ou você apostaria que Jennifer Lopez tinha algo para mostrar como atriz? Mas independente do quanto o trabalho de Lopez mereça ser reconhecido, o mérito está mesmo na cineasta Lorena Scafaria. As Golpistas é uma deliciosa história sobre o quanto preferimos deixar apenas o nosso conservadorismo criar opiniões sobre quem decide levar a vida usando seu corpo como instrumento de trabalho. Sem criar contos de fadas, sem querer romantizar problemas ou transformar a realidade em algo menos cruel, o longa-metragem deixa uma mensagem certeira: a vida é uma grande boate. Enquanto uns dançam, outros jogam dinheiro.
Veja a crítica de As Golpistas no nosso clube de cinema 365 Filmes em um Ano: