A ANTIGA IUGOSLÁVIA ERA uma miscelânea de nações que tinham conflitos profundos, em especial os religiosos. Essa espécie de panela de pressão étnica não tinha como dar certo. E Antes da Chuva retrata um dos períodos mais cruéis da Iugoslávia, a década de 1990, em que as guerras regionais explodiram e horrorizaram o mundo com suas demonstrações de crueldade. O país reunia o que são os atuais Estados da Bósnia e Herzegovínia, Sérvia, Montenegro, Macedônia e parte da Eslovêna e da Croácia. O diretor macedônio Milcho Manchevski constrói o filme em três grandes histórias, intensas, dramáticas e que têm os conflitos da Macedônia como pano de fundo.
Palavras mostra Kiril, um religioso ortodoxo que fez voto de silêncio e vive em um mosteiro rústico, sem contato com o restante do mundo. Zamira é uma menina albanesa, acusada de matar um pastor macedônio. Ela foge de seus perseguidores e se enconde no mosteiro, onde obtém a ajuda de Kiril. As iconografias religiosas, mostradas o tempo todo, aguçam a imaginação do espectador ao mostrarem que, o tempo todo, o conflito religioso está ali, presente. São católicos ortodoxos perseguindo a menina muçulmana, que busca abrigo em um mosteiro também ortodoxo.
Em Rostos, a guerra da Bósnia faz o fotógrafo Aleksander querer voltar para a Macedônia, sua terra natal. Ele tenta convencer a amante, a londrina Anne, a abandonar tudo (marido, emprego, estabilidade) para ir com ele àquela região. “Meus ossos doem de saudade de casa. Ou será de reumatismo?”, diz ele a Anne. Ela é editora de fotografia em um jornal e recebe as fotos da guerra enviadas por ele. E, enquanto tenta contar para o marido que está grávida, um conflito entre dois macedônios exilados em Londres, ao fundo de um restaurante, vai trazer consequências sérias para sua vida.
Já Fotos nos traz de volta à Macedônia e a seus conflitos religiosos. O fotógrafo Aleksander está de volta à sua casa, à sua família, em meio às armas que seus parentes carregam por todos os lados. O retorno traz a nostalgia de outros tempos, e ele vai atrás de seu primeiro amor, a albanesa Hana. Ele sente na pele a crueza dos conflitos que assolam a região.
Antes da chuva tem a força e a intensidade das imagens para dar subsídio às três histórias. A violência que permeia a narrativa é praticamente a personagem principal. As crianças que aparecem na trama são coadjuvantes que já lidam com armas, causam explosões, machucando animais com uma frieza que é mais dura ao ser apresentada tendo, ao fundo, um bando de homens armados até os dentes. Há imagens belíssimas, como quando Aleksander e Anne conversam dentro de um carro e a câmera, do lado de fora do veículo, mostra essa conversa entremeada à paisagem londrina refletida.
Há, sim, ironia. Aleksander é seu principal portador (vide sua fala sobre ossos doendo). E, também, alguns momentos lúdicos e esperançosos: um tanque da ONU circulando na capital, quando o fotógrafo chega na Macedônia; ele já em casa, circulando de bicicleta pelo campo e assoviando Raindrops keeps falling on my hand, da trilha de Butch Cassidy e Sundance Kid. Aleksander é um idealista, se vê como personagem principal da luta pela paz, como se sua presença em casa pudesse acabar com todos os conflitos.
O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e foi a escolha da audiência no Festival Internacional de São Paulo.
Antes da Chuva – Before the rain (1995)
Direção: Milcho Manchevski
Roteiro: Milcho Manchevski
Elenco: Katrin Cartlidge, Rade Serbedzja, Grégoire Colin
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