A Casa de Sandro

PRIMEIRA VEZ NA MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES, que acontece todo mês de janeiro – e como todo janeiro, a chuva não dá trégua. Entre garoas constantes, poucas tempestades, muitos cães de rua, licores de cachaça, shows, preguiça e os santos de Dona Naná, uma boa oportunidade de ir ao cinema de graça. Dos curtas a que assisti, destaco o “Dossiê Rê Bordosa”, stop-motion extremamente bem produzido investigando as causas da morte da velha hippie das tirinhas, e “Os Filmes Que Não Fiz”, pseudo-documentário sobre os inusitados projetos inacabados de Gilberto Scarpa, como Zelvis e Maria, A Louca da Padaria. Mas reservei umas linhas a mais para um documentário que realmente me marcou. Vamos a ele.

“A Casa de Sandro”
(Rio de Janeiro, 2009, direção de Gustavo Beck)

A Casa de Sandro é um filme indicado pra muita gente. Quem teve crise de labirintite com os planos trêmulos e inquietos de “Cloverfield”, por exemplo, vai se regozijar com as longas tomadas de câmera estática. Quem se incomoda com filmes do tipo piscou-perdeu, em que basta uma olhadela no relógio e você não sabe mais que diabos está acontecendo, pode ficar tranqüilo e até conversar com a namorada por mensagens de celular, só lembrando de olhar pra tela a cada cinco minutos e se certificar de que o plano ainda não mudou. Insones não terão do que reclamar: a cura nunca esteve tão perto. Quem só gosta de olhar a natureza e pensar na vida vai poder refletir bastante, e quem não gosta de ser apenas mais um na multidão vai se sentir único e especial, depois que todo mundo das fileiras da frente, de trás e dos lados tiverem debandado antes do fim.

A Casa de Sandro cumpre o que o título promete: é um documentário de 80 minutos que mostra a casa de Sandro. Quem é Sandro e por que a casa dele merece um documentário de 80 minutos são perguntas estrategicamente deixadas a cargo do espectador. Sandro pinta quadros, já teve hérnia e alimenta patos; ora bolas, o que mais a gente queria saber? Quem precisa de conteúdo quando temos 10 minutos de câmera mal-enquadrada mostrando Sandro falando borracha ao telefone? Se antes a tônica do cinema brasileiro era o chavão uma-câmera-na-mão-e-uma-idéia-na-cabeça, A Casa de Sandro consegue subverter o conceito, transformando-o em uma-câmera-no-tripé-e-um-lanchinho-esperto-enquanto-o-troço-filma-sozinho. Nunca o intervalo entre o “ação!” e o “corta!” do diretor foi tão longo; embora a primeira palavra, aqui, adquira um sentido muito mais irônico.

Ao mesmo tempo que surpreende (quando você acha que aquele plano mostrando a janela da casa de Sandro e que já bate na casa dos 15 minutos vai durar pra sempre, o filme subitamente muda de direção e apresenta os créditos finais), A Casa de Sandro faz o espectador sair da sala com uma nova visão sobre a sétima arte: afinal de contas, fazer cinema não é assim tão complicado. Disso, poucos filmes são capazes.