O ‘Quarto’ foi o livro mais humano e puro que li até agora. E se você acha que um livro narrado por uma criança de apenas cinco anos de idade pode ser algo negativo, dê uma chance ao Jack. Pra mim, este foi o aspecto que deixou o livro ainda mais genial. Afinal, Jack é um garoto que nasceu dentro de um quarto e nunca saiu dele. Em cada frase dita pela criança, você passa a entender a pureza de quem nunca viveu em nosso mundo.
É quando Jack completa seu quinto ano de vida que tudo começa a mudar. Sua mãe decide contar a verdade em que eles vivem e acaba com toda a imaginação do garoto. Antes, tudo era importante. Cada objeto, cada cor, cada sensação era valorizada por Jack. A colher velha e derretida, por exemplo, não era uma colher velha. Ela era a colher mais macia para comer. O vaso sanitário, por exemplo, não era apenas um vaso. E sim, um objeto mágico que joga tudo o que não presta para bem longe. Após toda a explicação da mãe, o garoto que antes acreditava que a televisão era uma caixa mágica, agora precisa lidar com a verdade de que sua mãe era uma adolescente de 17 anos, que ao voltar da escola foi raptada por um homem e vive naquela casa há mais de 7 anos.
“Hoje eu tenho cinco anos. Tinha quatro ontem de noite, quando fui dormir no Guarda-Roupa, mas quando acordei na Cama, no escuro, tinha mudado pra cinco, abracadabra. Antes disso eu tinha três, depois dois, depois um, depois zero.”
A vida da mãe e do filho não era nada fácil no cômodo em que viviam. A mãe suportava todas as dores para não impactar na vida da criança. Além do estado de confinamento, a mãe de Jack recebia a visita do velho Nick (nome criado por Jack para designar o homem malvado) todas as noites para satisfazê-lo sexualmente. É com muita determinação, criatividade, e principalmente, um gigantesco amor maternal, que a mãe consegue transformar aquele quarto em um universo. Mas ela sabe que aquilo não é o suficiente. Após elaborar um plano de fuga não tão perfeito, a aflição aflora e você acredita que nada vai dar certo.
O livro é dividido em três partes e conta com personagens muito bem construídos, fortes e importantes ao longo da trama. Pode até parecer um absurdo Jack não querer conhecer o universo fora do quarto, onde existem mais brinquedos, mais cores e mais pessoas. Mas afinal, quem trocaria a zona de conforto que é ter a mãe sempre por perto? É incrível vermos o papel da mãe pela visão do seu filho e o quanto ela consegue levar tudo isso com muita cautela e sempre protegendo seu filho. É emocionante ler como Jack descobre o mundo e como ele dá valor a cada pequena coisa. Como ele tenta explicar um simples objeto e não consegue. O seu fascínio pela tecnologia ou se assustar com uma escada. É interessante ver como a autora consegue ir de um extremo ao outro entre uma página e outra. Enquanto você se impressiona como Jack vê o mundo, em outras, você se acaba de rir com suas explicações.
“O que fez o Menino Jesus começar a crescer na barriga da Maria foi um anjo que desceu voando que nem um fantasma, só que um fantasma superlegal, com penas. A Maria ficou toda surpresa e disse “Como é possível?”, e depois “Está bem, assim seja”. Quando o Menino Jesus pipocou da vagina dela no Natal, ela colocou ele numa manjedoura, mas não para as vacas comerem, só para elas deixarem ele aquecido com seu bafo, porque ele era mágico.”
Terminei de ler “O Quarto” dando uma respirada profunda de alívio e olhei para tudo ao meu redor. Logo em seguida, refleti sobre a minha vida, sobre as pessoas e o quanto eu queria ter toda a coragem e criatividade para driblar os meus problemas assim como aquele garoto de cinco anos de idade fez ao longo da sua jornada.
“Não é o Quarto se a porta está aberta”.
Título: Quarto
Título Original: Room
Páginas: 350
Autor(a): Emma Donoghue
Editora: Verus
Gênero: Drama
Ano de Publicação: 2011