POR QUE É TÃO DIFÍCIL PENSAR DEMOCRATICAMENTE?
Gente, essa coluna têm o intuito de trazer alguns temas tratados pelas ciências sociais, como a sociologia, a antropologia e a política, de maneira simples, tendo o cinema como mote principal. Parece chato, né? Mas pode ser tão divertido como um filme do Jackie Chan ou do Godard, ou o que mais você preferir dentro desse espectro.
O curta Hermeneutics (de Alexei Dmitriev, 2012) nos ajuda a pensar sobre um meio tradicional utilizado na conquista, defesa e manutenção da democracia. Por ser uma obra produzida sem diálogos e com pouca duração, capaz também de diversas outras interpretações. Tá, mas o que esse curta tem a ver com democracia? Sem parecer autoritário, assista primeiro:
Hermeneutics from Alexei Dmitriev on Vimeo.
Ações belicistas para a democracia é tão comum na vida real como no cinema. Vale exercitar nossa memória “sessão da tarde”: quem não se lembra de Rambo, mais especificamente o terceiro episódio (1988), em que ele luta junto às milícias afegãs contra os russos, para salvar a pele do Coronel Trautman, papel que claramente representava as forças armadas dos Estados Unidos como um pai bondoso que tenta defender seus filhos e ajudar seus vizinhos de todos os males? Pois é. Lá a democracia estava chegando à cavalo através do maior herói bélico americano (não o Rambo, o Bush!), durante a invasão soviética no Afeganistão.
Na real, com a desculpa de levar a democracia belezura pra todo canto, os EUA armaram os Mujahidin (traduzindo: determinados combatentes que se empenham na luta islâmica), tendo como consequência não só a saída dos soviéticos do Afeganistão, mas, principalmente, a dominação daquele país por quem tinha a maioria das armas presenteadas pelo Tio Sam. Quem? Sim, o democrático Taliban.
Daí pra frente fica mais fácil nossa memória fazer as demais conexões: Taliban…..Al Quaeda….Osama bin Laden….EUA….11 de setembro.
Assim como no filme Hermeneutics, a democracia que se segue após explosões, derramamento de sangue e toda a loucura presente nestes tipos de tretas, pode até vir a ser sucedida, em seu primeiro momento, de alívio (pelo menos por parte de quem ganhou a parada) e comemorações com explosões de inofensivos fogos de artifício. Mas, e depois?
Bom, o curta de Alexei Dmitriev não mostra o que acontece a seguir, mas como vivemos em uma “democracia”, no sentido estrito da palavra (nunca no mais amplo) e que outrora não o era, podemos estar atentos a algumas percepções.
Democracia, por mais que tentem te induzir ser uma criação do demônio (demo, aqui, vem do apelido carinhoso que dirigimos ao coisa ruim, já que sua origem vêm do grego daimon e nada tem a ver com essa história), trata-se não só de uma forma de governo com sistema institucionalizado, mas também um modo de atuar e agir cotidianamente, com respeito aos indivíduos à nossa volta, concordantes ou não da gente. E é aí que o bicho pega.
Falamos tanto em democracia, mas não aprendemos a ser democráticos. Basta lembrar como são esquematizadas e organizadas as instituições que se fazem tão presentes em nosso processo formativo como cidadãos. Alguém aí acha sua escola, sua casa, sua igreja, templo, trabalho, e tantos outros espaços, democráticos? Se não são, e levando-se em consideração que boa parte do que somos é fruto do nosso meio, como podemos ser democráticos? Agir ou pensar democraticamente? Onde realmente aprendemos isto?
Dizem que se você for à biblioteca e ler livros e mais livros sobre natação, nunca será suficiente para aprender a nadar. Tem que pular na piscina, se molhar, dar as braçadas por você mesmo, afundar de vez em quando. Na prática, aprendemos e atuamos. Movimente seu corpo de forma errônea na piscina e não estará nadando. Com a democracia, a mesma coisa.
Não adianta se justificar dizendo que você entra nessa piscina só “de vez em quando”. Atuar democraticamente vai muito mais além do seu voto a cada biênio. O agir democrático está no nosso dia-a-dia, em casa, com nossos colegas de trabalho, no trânsito, na não disseminação de preconceitos, ou mesmo no jeito como discutimos qualquer assunto numa mesa de bar. Isso permite uma consciência política e cidadã capaz de influenciar toda mecânica institucional que não opera sob estes mesmos preceitos. Uma luta diária por direitos (seus e dos outros), sem bombas. Pois, como dizia Saramago, “…o grande problema do nosso sistema democrático é que ele permite fazer coisas nada democráticas democraticamente.“
Dica: se alguém quiser dar boas risadas sobre esse tema, desde que goste do humor britânico, vale a pena assistir ao filme In the Loop (de Armando Iannucci, 2009) indicado ao Oscar 2010 de melhor roteiro adaptado. Segue trailer: