Pergunta sincera: por que será que pisam tanto na cabeça dos cinéfilos com essa mania de reboots e remakes? Historicamente, refazer filmes ou buscar novas adaptações para modernizar narrativas não é novidade, mas por que isso só acontece com o cinema?
Por que ainda não chamaram o Noel Gallagher para liderar um projeto de revival dos Beatles, com direito a regravações de Sgt. Peppers ou o disco branco na integra? Ou ver os filhos de David Gilmour e Roger Waters brigando para ver quem regravaria o Dark Side of the Moon? Excluo aqui os tributos do Flaming Lips regravando esses mesmos álbum citados.
Por que ninguém foi contratado para reescrever Crime e Castigo (se bem que Woody Allen tentou fazer isso no cinema) ou Grandes Esperanças? Fernando Sabino trabalhando em Dom Casmurro é uma exceção, assim como podemos considerar a paródia de Seth Grahame-Smith para Jane Austen.
A música e a literatura são formas de expressão artísticas muito mais respeitadas (e menos lucrativas) que o cinema. O universo audiovisual tem um aspecto muito forte de produto, que acaba permitindo uma ação abusiva dos tubarões da indústria sedentos por fazer mais dinheiro em cima de uma fórmula consagrada. Quem gosta de games e quadrinhos (principalmente) sabe bem o quanto é chato saber que nada é “eterno”.
Atualmente, até antigas séries de televisão entraram nessa onda de “homenagear os fãs” com retornos de Prison Break, 24 Horas, Gilmore Girls, Full House, Arquivo X, dentre outros. Bem provável que Friends entre nesse grupo. Ou até Lost, como apontou o Bruno Carvalho, do Ligado em Série. E isso é frustrante. Roubam o espaço das novidades para nos empurrar “homenagens”.
Como fã apaixonado pelas aventuras de Jack Bauer, claro que me sinto contente com novos episódios (ainda que Legacy não tenha o personagem de Kiefer Sutherland), mas a verdade é que estou reencontrando com quem eu era na época em que assistia a série. Quem acompanhava religiosamente os lançamentos de novos episódios numa época em que não existia Netflix, sabe o que estou dizendo. Será que precisamos mesmo desses reencontros com nosso passado?
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A última grande novidade é que a Warner Bros. decidiu imitar a estratégia da Disney em arrancar o máximo possível do universo Star Wars. Depois de depositar suas fichas no universo de Harry Potter com a franquia Animais Fantásticos, foi anunciado nessa terça-feira, 14 de março, que o estúdio planeja um reboot de Matrix, de 1999. É mais um capítulo para esse círculo vicioso de deixar de lado material original para investir em adaptações/continuações.
Matrix. Um filme revolucionário e considerado como uma obra intocável, que ao lado de Casablanca, O Poderoso Chefão, Cidadão Kane e Tubarão deveria estar no grupo de obras que executivo mercenário nenhum teria coragem de tocar, está prestes a receber um reboot estrelado por Michael B. Jordan (Creed) na pele de um jovem Morpheus. Hollywood desconhece a falta de necessidade de contar origens e explicar como tudo começou. Como se fosse um grande “presente” surpresa, o estúdio anuncia que em breve voltaremos todos para 1999 e dane-se que ninguém pediu. A intenção aqui é exclusivamente se aproveitar de uma marca gigante para tentar concorrer com os outros estúdios e suas franquias milionárias.
Não tem “presente” ou boas-intenções. Tanto que as irmãs Wachowski ainda não se pronunciaram sobre a ideia “genial” da Warner e do produtor Joel Silver, que mantém uma relação estremecida com as parceiras do filme original. O roteiro pode ficar para Zak Penn, autor de pérolas como Elektra e X-Men: O Confronto Final. Claro que estou reclamando de algo que irei consumir como público, mas meu lado cinéfilo me obriga a questionar por que é que o cinema é tão desprovido de moral quando comparado com a música e literatura?
A cada dia que passa tenho a certeza de que não existem mais clássicos modernos intocáveis no cinema. Cinéfilos são uma espécie em extinção que insistem em conseguir o mesmo status daqueles que consomem livros e discos, mas que perderam a velha luta da arte x produto.