TERRENCE FREDERICK MALICK: absurdamente tímido e inteligente; o arisco, aquele que foge da imprensa como o diabo foge da cruz. É um paradoxo, já que a mídia é a grande aliada de um diretor que quer seu filme comercializado e fazendo sucesso. Malick deu umas de suas poucas entrevistas no início da carreira até o lançamento de Terra de Ninguém em 1973, e depois sumiu dos holofotes. Em 1997, deu outra entrevista no Festival de Roma. São raros registros (ano passado o fotografaram nos sets dos ainda não lançados Knight Of Cups e o projeto sem título estrelado por Ryan Gosling e Rooney Mara) dele. Um gênio multitalentoso – diretor, roteirista, produtor, ator, poeta, filósofo, tradutor e compositor – que coloca uma cláusula contratual em que se proíbe o uso de sua imagem para fins promocionais de seus filmes. Malick é um dos raros casos em que o talento sobrepõe-se ao culto das celebridades – e em contrapartida, tornou-se famoso por seu trabalho e por sua personalidade reclusa.
Há controvérsias sobre sua cidade natal. O consenso geral é a cidade de Ottawa, Illinois nos Estados Unidos, mas há quem diga que nasceu mesmo em Waco, Texas. Seu pai, Emil, era um geologista. Um de seus irmãos, Larry, um músico atormentado, se matou na Espanha. Malick estudou, durante a infância e adolescência, na St. Stephen’s Episcopal School, uma escola particular anglicana. Na juventude, cursou Filosofia em Harvard e depois em Magdalen College, ambas prestigiadíssimas. Mais velho, foi professor de Filosofia no MIT enquanto trabalhava como jornalista para a Newsweek, The New Yorker e Life. Depois, foi estudar no AFI Conservatory e fez mestrado em Cinema e lá conheceu seu companheiro de trabalho e amigo, o designer de produção e cenógrafo Jack Fisk. É impossível não notar que as marcas registradas de seu trabalho – poesia, natureza, existencialismo, bela fotografia, inteligência – são diretamente ligadas ao seu passado. E é impossível não lembrar de Terrence Malick sem lembrar de Jack Fisk, o homem que o ajuda a colocar em prática e a ambientar suas ideias geniais.
Sua tese de mestrado no AFI Conservatory foi seu primeiro curta-metragem, Lanton Mills. Lá também conheceu Jack Nicholson e seu agente, Mike Medavoy. No início, ele escreveu os roteiros dos filmes O Amanhã Chega Cedo Demais, Meu Nome É Jim Kane e Deadhead Miles, além de rascunhos para A Fera do Rock (lançado muitos anos depois) e Perseguidor Implacável. Com Deadhead Miles, Malick teve uma experiência desagradável com a Paramount e daí decidiu dirigir seus próprios filmes. Logo depois, lançou o sucesso independente Terra de Ninguém.
Em 1978, lançou o dramático filme de época Cinzas do Paraíso, estrelado por Richard Gere, que teve pós-produção longa (cerca de dois anos) e que levou para casa o Oscar de Melhor Fotografia além de dar a Malick sua primeira Palme D’Or como Melhor Diretor. Na trama, Malick trata alguns de seus temas preferidos: a natureza violenta do homem, família, triângulo amoroso e o sul norte-americano.
Malick começou a desenvolver um projeto para a Paramount entitulado “Q”, sobre as origens da vida e do universo e que não fruiu. Ficou 20 anos sumido dos holofotes. Durante este período, escreveu vários roteiros que não vingaram (dentre eles um sobre Jerry Lee Lewis, tema que ele já havia abordado nos rascunhos de A Fera do Rock). Em 1998, retornou com Além da Linha Vermelha, adaptação do livro homônimo de James Jones. O filme reuniu várias estrelas contemporâneas de Hollywood (é costume do diretor chamar atores famosos e novos para atuarem em seus filmes) e foi indicado a sete Oscars, além de ganhar o Urso de Ouro no Berlinale.
Terrence Malick é um diretor que escreve roteiros para seus filmes mais como guias que como textos sagrados a serem seguidos. Adepto do improviso e volúvel que só, ele costuma modificar a história a todo momento. Além da Linha Vermelha também ficou famoso por essa outra peculiaridade descoberta sobre Malick e por conta disso, suas edições muitas vezes produzem um filme completamente diferente do esperado, cortando várias cenas e até personagens importantes. Adrien Brody, vencedor do Oscar por O Pianista, era o protagonista do filme até que Malick decidiu cortá-lo quase que por completo da narrativa, transformando-o num mero coadjuvante com poucas falas. Neste mesmo filme, ele excluiu as cenas de Mickey Rourke, Bill Pullman e Lukas Haas; não usou os voice-overs de Billy Bob Thornton; contratou Gary Oldman, Viggo Mortensen, Martin Sheen e Jason Patric e no final os demitiu antes de sequer pisarem no set.
Seus três próximos projetos trouxeram o elemento poético mais fortemente que em seus trabalhos prévios, por meio de uso exaustivo do recurso do voice-over (sons não-diegéticos; que não fazem parte da cena, como a voz dos personagens expressando seus pensamentos e personalidades).
Na década de 60, Malick escreveu um artigo sobre Che Guevara que prendeu a atenção de Steven Soderbergh. Este o ofereceu a chance de escrever e dirigir uma cinebiografia sobre o revolucionário argentino, mas surgiu a oportunidade de dirigir O Novo Mundo, desejo que vinha desde a década de 70, e Malick abandonou o projeto, que mais tarde seria lançado pelo próprio Soderbergh. O Novo Mundo, história sobre o romance da índia Pocahontas e do aventureiro John Smith que tinha como pano de fundo a colonização do estado americano da Virgínia, foi chamado de “o melhor filme da década” por críticos e foi indicado ao Oscar por Melhor Fotografia. Neste projeto, o diretor reduziu o papel de Christopher Plummer consideravelmente.
Em 2008, começou a filmar A Árvore da Vida – vestígios do roteiro de “Q” – sucesso de público e crítica. Foi vencedor da Palme D’Or de Melhor Filme, além de ser indicado aos Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Fotografia. Estrelado por Brad Pitt e Jessica Chastain, o filme aborda a dicotomia religião/natureza a partir da vida de uma família através dos anos. Além de trazer a costumeira polêmica ao redor de seus projetos, o filme também teve a participação de Sean Penn reduzida a poucas cenas.
Se Malick nunca foi um cineasta prolífico, ele se tornou um já na casa dos 60 anos. Este ano lançou Amor Pleno, com Ben Affleck, Rachel McAdams e Olga Kulylenko abordando mais uma vez um triângulo amoroso conturbado. Excluídos completamente do projeto foram Rachel Weisz, Michael Sheen, Amanda Peet, Barry Pepper e Jessica Chastain. Atualmente, num súbito produtivo, o diretor produz dois filmes: um projeto sem título sobre a cena musical em Austin, Texas e Knight Of Cups, ambos ainda sem tramas reveladas.
Malick já virou gênero cinematográfico, adjetivo artístico. Uma obra “malickiana” é ímpar: tão poética, artística, existencialista, dramática, humanista e naturalista que o adjetivo e o gênero não podem ser aplicados a ninguém a não ser ao próprio Terrence Malick, o único que consegue fazer o que faz. Com uma carreira invejável e peculiar, métodos inusitados e personalidade excêntrica, Malick, “o poeta de Hollywood”, produz cinema para os cérebros pensantes e olhos famintos, para os amantes da arte e salva a tão batida e empobrecida cena cinematográfica americana com sua plasticidade, estilo e autenticidade.