Os vilões do Batman

SEGUNDO A VELHA MÁXIMA, nos filmes do Batman os vilões são sempre mais interessantes que o herói. Não dá pra generalizar – Batman Begins, por exemplo, dá muito mais destaque a Bruce Wayne, apesar de não economizar no número de antagonistas – mas é inegável que a bat-bandidagem é responsável por alguns dos momentos mais memoráveis do Cavaleiro das Trevas no cinema. Este post é uma homenagem a todos esses malfeitores, por mais perversos, psicóticos e esdrúxulos que sejam.

Why so serious?

Um dos primeiros inimigos do Batman e certamente o mais icônico, o CORINGA fez sua primeira aparição nas telonas no longa Batman – O Homem-Morcego, de 1966, derivado da clássica série de TV estrelada por Adam West e Burt Ward. O filme trazia nada menos que quatro vilões “especialmente convidados” maquinando um plano diabólico para transformar importantes figuras políticas em… pozinhos coloridos. O filme é intencionalmente ridículo e vale umas boas risadas, além de contar com a presença do Coringa galhofeiro de Cesar Romero, com seu bigodinho safado ainda vísivel sob a maquiagem branca.

Romero ainda era o Coringa de quem todos se lembravam quando Tim Burton lançou seu Batman em 1989. Se Michael Keaton foi muito malhado por ser baixinho, fracote, semicalvo e, bem, não lembrar em nada o Bruce Wayne dos quadrinhos, a atuação de Jack Nicholson como o Palhaço do Crime recebeu elogios até do batmaníaco mais intransigente. Este era um Coringa risonho, mas também sinistro e imprevisível, especialista em química e interessado nas artes (e nos atributos de Kim Bassinger). Sua origem era semelhante à mostrada na HQ A Piada Mortal, de Alan Moore e Brian Bolland, onde um mergulho num caldeirão de corrosivos durante um assalto frustrado transforma um sujeito relativamente normal em um psicopata de cabelos verdes. Mesmo com as várias trapalhadas do roteiro (Coringa assassino dos pais de Bruce Wayne? Precisava disso?), o vilão agradou público e crítica e ainda deixou Nicholson rindo à toa na vida real: as porcentagens da bilheteria lhe renderam pelo menos 50 milhões de dólares.

Na cena final de Batman Begins, xerocada da HQ Batman – Ano Um, uma certa carta de baralho deixou milhões de fãs loucos de curiosidade para saber como o Coringa se encaixaria no universo mais realista proposto por Christopher Nolan. A resposta veio em Batman – O Cavaleiro das Trevas, de 2008, com um Heath Ledger impecável, cheio de tiques e frases de efeito (“Let’s put a smile on that face!”), improvisando crime mirabolante após crime mirabolante e deixando o espectador contando os minutos para vê-lo novamente assim que ele sai de cena. Entre os vários acertos na concepção do personagem, seu passado nunca é revelado: sempre que conta como conseguiu sua “sorridente” cicatriz , o Coringa narra versões contraditórias e nada confiáveis. A morte precoce de Ledger em janeiro de 2008, poucos meses depois das filmagens, alçou o personagem à condição de lenda, e o próximo Coringa vai ter trabalho para superá-lo. Ledger foi o único ator a ganhar o Oscar (postumamente, em 2009) por viver um personagem dos quadrinhos.

Quem fez melhor? Jack Nicholson reinou como “o Coringa definitivo” por quase 20 anos, mas é inegável: o posto agora pertence a Heath Ledger.

“Miau.”

Ladra, traiçoeira, ordinária e irresistível. Até o Batman é chegado numa mulher bandida, e a prova irrefutável é a MULHER-GATO. A relação de amor e ódio entre o morcego e a felina começou na tela grande também no Batman – O Homem-Morcego de 1966, onde Selina Kyle foi vivida por Lee Meriwether, depois que Julie Newmar (a Mulher-Gato do seriado) pulou fora devido a outros compromissos. Com roupa preta, garras douradas e orelhinhas de veludo, a Mulher-Gato passa boa parte do filme disfarçada como a soviética Kitanya Irenia Tatanya Kerenska Alisoff – “Miss KITKA” – para ludibriar o pobre Bruce Wayne.

A salafrária voltou aos cinemas em Batman – O Retorno, de 1992. Sua origem diverge dos quadrinhos e é um tanto fantasiosa (ao que parece, lambida de gato cura tudo, até queda do alto de um prédio), mas quando Michelle Pfeiffer veste a roupa de couro, a gente nem se importa mais. Sua transformação na vilã é inspirada: entorpecida, virando leite como quem bebe tequila, ela prova ser uma exímia costureira ao criar seu uniforme felino a partir de jaquetas velhas. Vai saber como uma simples secretária de repente virou acrobata e perita em artes marciais, mas tudo bem. Sempre provocante, a Mulher-Gato de Pfeiffer desperta a luxúria de todos os que cruzam seu caminho – o Pinguim, o Batman, o espectador – e é responsável pelos momentos mais libidinosos de um filme, teoricamente, para toda a família.

Por muito tempo se falou em um filme solo da Mulher-Gato estrelado por Michelle Pfeiffer, mas a coisa foi sendo empurrada com a barriga e não vingou. A personagem só ganharia um filme solo em 2004 – o infame Mulher-Gato, estrelado por Halle Berry e dirigido por um indivíduo chamado Pitof. Só que a Mulher-Gato desse filme não é bem a Mulher-Gato. Berry vive uma certa designer gráfica chamada Patience Phillips (!), que ganha superpoderes (!!) ao ser revivida por um gato egípcio (!!!). Nenhuma menção a Batman, Gotham City ou mesmo Selina Kyle. Não me admira que Mulher-Gato tenha “faturado” quatro Framboesas de Ouro, incluindo Pior Filme e Pior Atriz.

Pelo que sabemos até agora de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, a Selina Kyle de Anne Hathaway está sempre saltitando entre um lado e outro da lei, ora associando-se ao brutamontes Bane, ora bandeando para o lado do Batman. A roupa de couro permanece e as orelhinhas, como quase tudo nos batfilmes de Nolan, ganharam uma justificativa: são seus óculos especiais quando virados para cima. Resta saber se Hathaway, com aquele ar de menininha, vai cumprir a difícil tarefa de superar Michelle Pfeiffer em sensualidade e felinidade.

Quem fez melhor? Até que Hathaway prove o contrário, continua sendo titia Michelle.

Vote Cobblepot!

O PINGUIM é um dos vilões mais clássicos do Batman, e talvez um dos mais esdrúxulos: baixinho, narigudo, obeso e sempre munido de sombrinhas bélicas. Sua primeira aparição nos cinemas veio – adivinhem – em Batman – O Homem-Morcego, interpretado por Burgess Meredith, que também pinguinzava no seriado de TV. Seu visual incorpora os elementos tradicionais do personagem: cartola, monóculo, cigarrilha, gritos de qüen-qüen. Apesar de tantas particularidades, o meliante consegue enganar a Dupla Dinâmica e até entrar na Batcaverna, disfarçado de um certo “P. N. Gwynne”. Santa esperteza, Batman!

Em Batman – O Retorno, o Pinguim ganhou uma versão mais dark e muito mais bizarra, na antológica interpretação de Danny DeVito. Absurdos à parte – ele era um menino deformado rejeitado pelos pais e criado por pinguins nos esgotos de Gotham! –, este Oswald Cobblepot é digno de um freak show, com uma maquiagem pesada que deixava DeVito quase irreconhecível: narigão pontudo, olheiras profundas, lábios roxos, uma careca considerável e cabelos compridos e sebosos escorrendo pela nuca. Inicialmente renegado pelos gothamitas, o Pinguim dá a volta por cima e até se candidata à prefeitura, antes de sua verdadeira índole tornar-se pública e ele abraçar a vilania sem pudor. Na época, o McDonald’s chegou a cancelar sua promoção de bonequinhos depois que o filme estreou: não queriam que as criancinhas ganhassem de brinde o boneco de um cara que vomitava gosma preta.

Quem fez melhor? DeVito conseguiu transformar um vilão ridículo em uma aberração amedrontadora, e leva o título com honra. 

As duas faces da lei 

Harvey Dent deu as caras (ops) no cinema já no Batman de 1989. Billy Dee Williams (o Lando Calrissian de Star Wars) aceitou viver o promotor público pré-deformação facial em umas poucas cenas com a condição de, em uma futura sequência, interpretar a persona maligna de Dent, o DUAS-CARAS. Deu com os burros n’água: em Batman – O Retorno, seu personagem foi limado do roteiro e substituído pelo magnata Max Schreck (Christopher Walken). Quando o Duas-Caras foi escolhido como um dos vilões de Batman Eternamente e Williams finalmente teria a chance de maquiar metade do rosto e jogar moedinhas pro alto, ele viu sua chance ir para o brejo de vez depois que Joel Schumacher assumiu a cadeira de diretor e chamou um ator mais renomado para o papel. Só nos resta imaginar como seria ver Billy Dee Williams como Duas-Caras…

O ator convidado por Schumacher foi o respeitado Tommy Lee Jones, mas seu Duas-Caras passa longe de ser um vilão de respeito. Embora sua origem permaneça fiel aos quadrinhos (mafioso joga ácido em Dent durante julgamento, deforma metade de seu rosto), o Harvey Dent de Batman Eternamente mais parece uma imitação fajuta do Coringa, investindo em caras e bocas (ops) e risadas caricatas. A maquiagem cor-de-rosa definitivamente não ajuda. Na primeira metade do filme ele é uma ameaça maior e chega até a causar a morte dos pais de Dick Grayson, futuro Robin – divergindo das HQs, onde o mafioso Tony Zucco é quem comete o crime. Com o surgimento do Charada, o Duas-Caras fica em segundo plano e passa o resto da história mais preocupado em dar risadas e acatando as idéias malucas de seu companheiro de crime.

A participação do Duas-Caras em O Cavaleiro das Trevas era segredo até o lançamento do filme. Sabíamos que Harvey Dent teria um papel importante, mas poucos imaginavam que Aaron Eckhart encarnaria o vilão já nesse filme. Dent é quem protagoniza o verdadeiro arco de personagem da obra, indo de símbolo da esperança em Gotham a um homem amargurado e desfigurado. A origem foi alterada em relação aos quadrinhos, mas a nova versão – em que Dent tem o rosto queimado na mesma emboscada que mata sua cara-metade (ops) Rachel Dawes – funciona não só para justificar a aparência física, mas também a queda rumo à loucura. A interpretação de Eckhart é sóbria, marcada pela dor, e finalmente dá ao personagem o ar de tragédia que ele merecia.

Quem fez melhor? Tommy Lee J– calma, tô zoando. Aaron Eckhart, claro.

O que é, o que é? 

Um dos membros menos ameaçadores da galeria de vilões do Batman, o CHARADA é, como o próprio nome já diz, obcecado por enigmas e adivinhas, geralmente deixando pistas que levam à sua própria prisão. Meio estranho para quem se vangloria tanto da própria inteligência. Sua primeira aparição no cinema veio em 1966, no supracitado Batman – O Homem-Morcego, no qual Frank Gorshin reprisou o papel que fazia no seriado. O personagem combina com o clima de galhofa do filme, e suas charadas absolutamente nonsense são sempre interpretadas corretamente pela Dupla Dinâmica. Um exemplo: “O que é amarelo e escreve?”. E o Robin: “Uma banana esferográfica!” E o Batman: “Precisamente, Robin! O único significado possível.

Joel Schumacher, sempre doido para transformar a batfranquia em uma gaiola das loucas calcada no seriado dos anos 60, trouxe Jim Carrey para o papel de Charada em Batman Eternamente e deve tê-lo instruído a entregar a performance mais exagerada e afetada que ele conseguisse. O Charada de Carrey é uma versão cheirada do Máskara, dando piruetas a torto e a direito e falhando em derrotar o Batman mesmo após desenvolver um aparelho capaz de ler a mente de qualquer pessoa. No gran finale de seu plano contra o Homem-Morcego, ele abandona qualquer sinal de dignidade ao vestir uma roupa brilhosa de fazer inveja ao Clóvis Bornay.

Quem fez melhor? Sou fã de Jim Carrey, inclusive nos papéis cômicos, mas seu Charada é tão equivocado que sou obrigado a dar o título para Frank Gorshin.

Entrando numa fria 

Quando todos os vilões famosos já tinham sido usados, a franquia precisou recorrer ao segundo escalão. O SR. FRIO foi o escolhido para infernizar (invernizar?) Gotham City num dos filmes mais zoados de todos os tempos, Batman & Robin. Apresentado como um cientista “vencedor do Nobel em biologia molecular e duas vezes decatlonista olímpico” (um nerd esportista!), Arnold Schwarzenegger embolsou estratosféricos 25 milhões de dólares para raspar a cabeça, vestir uma armadura com asas de borboleta e calçar pantufinhas de urso polar. Arnoldão estava naquela fase em que acreditava ser engraçado e não passa uma cena sem entupir a tela de piadinhas malsucedidas envolvendo frio, gelo e neve: “cool party“, “permitam-me quebrar o gelo”, “a vingança é um prato que se come frio“. Com o trauma gerado por tudo o que envolve esse filme, melhor deixar esse vilão na geladeira.

Venenosa, êêê… 

Uma das maiores roubadas da carreira de Uma Thurman foi cair na de Joel Schumacher e emprestar corpo e voz à HERA VENENOSA de Batman & Robin. Em seu primeiro diálogo no filme, a dra. Pamela Isley revela que está tentando cruzar uma orquídea com uma cascavel. Pior: ao longo do filme, ela consegue! A explicação para sua transformação em Hera Venenosa deve ter sido improvisada no set: um cientista maluco joga produtos químicos e serpentes (?!) em cima dela, algum tempo depois há um monte de folhas no chão e ela emerge como Hera, inclusive com o colant verde e o penteado estiloso. Ela é o pivô de algumas das cenas mais infames de um filme já desgracento, como a “camisinha bucal” usada por Robin para beijar a bandida sem morrer envenenado e a disputa entre a Dupla Dinâmica que culmina no Morcegão sacando do bolso o antológico bat-cartão-de-crédito. Que mico, Uma Thurman… 

Você tem medo de quê? 

Um especialista em psicologia que usa toxinas para estimular o medo em suas vítimas, o ESPANTALHO estava cotado para ser um dos vilões de Batman Triumphant, a sequência de Batman & Robin que seria comandada por Joel Schumacher. O filme – graças aos céus – nunca aconteceu, mas o dr. Jonathan Crane acabou aparecendo mesmo assim no batfilme seguinte, Batman Begins. Alinhado com a representação mais pé-no-chão do universo de Nolan, o Espantalho vivido por Cillian Murphy não usa uma fantasia completa, apenas um capuz de pano que ajuda a amedrontar suas vítimas. Alguns efeitos de computação garantem alucinações bacanas, como os morcegos saindo da boca do cara quando Batman se vê envenenado pelo gás do medo.

Cillian Murphy voltou a encarnar o Espantalho brevemente no início de O Cavaleiro das Trevas, quando é preso pelo Morcegão durante uma frustrada reunião de “negócios”. E segundo vários boatos, ele voltará a aparecer uma terceira vez em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Um recorde!

Who wants to live forever? 

O RA’S AL GHUL dos quadrinhos é um criminoso internacional que não nutre muito afeto pela humanidade, planejando erradicá-la completamente de tempos em tempos. Ah, e ele é imortal – um tal de Poço de Lázaro, cheio de produtos químicos rejuvenescedores (toma essa, Monange), garante ao sujeito um rostinho jovem há vários séculos. Batman Begins subverteu esse conceito ao criar uma explicação mais plausível para essa imortalidade: existe um Ra’s al Ghul “de verdade” e outros que assumem a identidade para desviar a atenção. O primeiro Ra’s que conhecemos é vivido pelo japonês Ken Watanabe, apresentado como líder de uma organização de ninjas chamada Liga das Sombras. Quando Bruce Wayne descobre os propósitos vis da ninjaiada, ele provoca um incêndio que acaba matando Ra’s al Ghul – mas deixa vivo Henri Ducard, seu mentor.

Só no final do filme é que descobrimos que Henri Ducard (Liam Neeson) é o verdadeiro Ra’s, divergindo bastante dos quadrinhos, onde Ducard era apenas um cara bacana que treinou Bruce. Neeson aparece muito no início do filme como Ducard, mas seu tempo de tela como Ra’s fica um pouco reduzido, já que ele só surge novamente no último ato da trama. Seus planos de caotizar Gotham City com o gás do medo do Espantalho são frustrados pelo Morcegão e Ra’s al Ghul acaba morto (de novo). Rumores dão conta de uma participação póstuma do personagem em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Saberemos em breve.

Quem fez melhor? Considerando que o Ra’s de Ken Watanabe era um farsante, só sobrou pro Liam Neeson. 

Bane esmaga! 

BANE é um vilão relativamente recente, surgindo nos quadrinhos nos anos 90 como um brutamontes inteligente que quebrou a espinha do Batman e destruiu o herói não apenas física, mas psicologicamente, na saga A Queda do Morcego. Em Batman & Robin, foi relegado a capanga da Hera Venenosa, um gorilão descerebrado que abre a boca cinco ou seis vezes só para emitir grunhidos (“To the exit, Bane.” “EEEEXIIIT!!”). Condizendo com a caracterização do personagem, Bane não foi interpretado por um ator, mas por um “dublê e lutador profissional” chamado Jeep Swenson, que morreu poucas semanas após a estréia do filme, provavelmente de vergonha.

As expectativas são altas para a versão Nolaniana do vilão em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Musculoso, mas nem por isso descerebrado, o Bane de Tom Hardy finalmente é um sujeito que intimida, com uma máscara que parece ter dentes e uma disposição para destruir tudo e todos. Apesar de diferenças em relação às HQs (a máscara não mais abastece o cara com anabolizantes, mas com um gás anestésico), parece que o espírito do personagem – ser um Moriarty em pele de Hulk – será mantido e finalmente apagará das retinas dos espectadores aquela aberração de Batman & Robin.

Quem fez melhor? Se Hardy pronunciar mais de cinco palavras e não murchar no final, já ganhou.