Theo Collin explica um pouco sobre como são feitos os efeitos especiais no cinema usando O Exterminador do Futuro como exemplo. Divirta-se:
Abstêmico: adjetivo (1899) m.q. abstêmio (adj.)
Abstêmio: adjetivo e substantivo masculino (a1608) que ou o que não ingere ou ingere muito pouco bebidas alcoólicas; moderado, sóbrio.
(Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)
Abstêmico (ou em sua forma mais tradicional “abstêmio”) é a pessoa que não ingere bebidas alcoólicas. Eu sou abstêmico. Não por questões morais, religiosas ou ideológicas (ou seja, por nada estúpido). Não bebo e só. Ainda assim, adoro butecos. É difícil achar alguém em BH que não goste. Aliás, conheci o excelentíssimo editor chefe do Cinema de Buteco, Tullio Dias (ou Vereador, como o chamo desde então) em um, quando tentei, inutilmente, conseguir algo com as várias meninas que o rodeavam em uma mesa. Aceito o fracasso, acabamos conversando e percebendo interesses em comum. Quando me contou de sua contribuição para sites de música e cinema fiquei interessado. Um parecia mais interessante que os outros, um tal de “Cinema de Buteco”. Falei que iria conferir e assim o fiz.
Devo confessar que fiquei levemente decepcionado. Achei o site quadradão, apesar dos bons colaboradores. Nada do que me faz me sentir bem em um buteco estava lá. O papo, a cacofonia, a diversidade, o aconchego. Fui sincero e dei minha opinião. Ele refletiu, e perguntou o que faltava. Falei da minha experiência como abstêmico em bares. Por não estar influenciado pelo álcool, percebo como um assunto puxa outro; uma pessoa fala de algo, alguém se lembra de outra coisa completamente diferente e assim por diante. É um papo analítico, e não mera análise, como percebo no Cinema de Buteco. Imediatamente, como é próprio no Vereador, ele sugeriu que eu fizesse uma coluna para o site, de acordo com essas ideias. Obviamente respondi que não, que tinha coisas importantes para fazer na minha vida. Mais tarde, percebendo deprimido que não tinha, aceitei. Quero com essa coluna, portanto, bater papo sobre cinema em geral; ideias que surgem espontaneamente. Como em um buteco.
Para começar, preparei um (longo) papo sobre um tema que ficou rodando minha mente durante todo o mês passado. Devido à extensão, o Vereador me pediu para dividir as considerações em algumas colunas. Então se sentem, chamem o garçom e peçam dois copos. Já pedi meu guaraná.
Efeitos, defeitos, efeitos
- Exterminadores e bonecos
Revi recentemente a tetralogia Exterminador do Futuro. Os dois primeiros continuam sendo belos exemplares do gênero ficção científica e ação (sendo que original conta ainda com um componente de terror). E… bom, existem os outros dois. O interessante de rever séries como essa, em que existe um espaço de tempo longo entre o primeiro e o último capítulo (no caso do Exterminador 25 anos, de 1984 a 2009) é verificar como certos elementos evoluem e envelhecem. Como o original foi dirigido pelo James Cameron, obviamente os efeitos especiais têm um papel fundamental nos filmes. Nesse sentido, logicamente eles melhoraram muito de meados da década de 80 até hoje. Refletindo sobre isso, e especificamente sobre uma cena do primeiro filme, tive, como em todo bom papo de buteco, uma longa digressão, que me levou a caminhos que, a princípio, não imaginei ir. Espero que a coesão da discussão não pareça demasiadamente bêbada.
Lembrando para os marcianos: no primeiro Exterminador, o personagem do Arnold Schwarzenegger é um cyborg que volta no tempo para matar a Linda Hamilton, que será mãe de John Connor, salvador fodão do futuro distópico no qual há uma guerra entre homens e máquinas. Pois bem, em certo momento da trama, depois de levar toneladas e toneladas de tiros, Schwarzenegger decide consertar alguns dos seus circuitos que estão danificados. Um dos problemas que ele apresenta está nos olhos, por isso realiza uma pequena “cirurgia” para corrigir o mecanismo. James Cameron poderia rodar a sequência utilizando ângulos de câmera e cortes que evidenciariam o procedimento sem, necessariamente, mostrá-lo. Ao invés disso, prefere utilizar um animatrônico e explicitar a operação. A decisão tem completo sentido narrativo, uma vez que aumenta a tensão, o grau de ameaça do personagem e dá à cena, e ao filme, um leve teor gore que contribuem para o clima de terror instalado (além de criar uma referência, voluntária ou não, ao clássico Um Cão Andaluz de Buñuel).
Apesar disso, de muito bem pensada, dos fantásticos animatrônicos do mestre Stan Winston, a cena é problemática, pois é óbvio o uso do recurso visual. Quando os takes vão se sucedendo e as imagens de Arnold Schwarzenegger e de sua contraparte eletrônica vão se alternando, o artifício fica evidente, e, assim, somos jogados para fora da narrativa imediatamente. Passei, então, a refletir se a culpa era do filme ou do espectador, acostumado a efeitos visuais mais refinados. Antes da conclusão, é necessário entender o problema em si.
- Realidade
Toda a arte, pelo menos em seu contexto ocidental, deve aos gregos, seja em um processo de afirmação ou de negação. Na narrativa, é sintomático que a estrutura básica em três atos definida por Aristóteles (de maneira geral; começo, meio e fim, e suas implicações), óbvia para todos hoje, seja seguida à risca na maioria absoluta dos projetos artísticos. É interessante notar, inclusive, que a predileção por trilogias recria, de forma mais ampla, essa estrutura. Pode-se mesmo afirmar que a Poética é praticamente um manual de instruções para os escritores (dramaturgos em especial). Guardando as devidas proporções, algo como Syd Field da Grécia Antiga.
Pois bem, segundo a visão clássica, e aqui me refiro a Aristóteles e seu estudo da Poética, o artista busca a mimese, ou seja, a imitação do real. Aliás, toda a arte grega é baseada na imitação (e mesmo a realidade, considerando a visão platônica do mundo). Dessa maneira, a narrativa conteria elementos familiares ao leitor/espectador, ainda que a trama fugisse completamente do contexto social destes. Mesmo na diferença estabelecida entre tragédia e comédia, que contariam com homens piores ou melhores que os reais, respectivamente, a base de comparação é a realidade.
Nesse sentido, a busca por certa realidade está no centro das narrativas. Não confundam aqui com o realismo do século XIX. O importante não é narrar o mundo como ele é, mas sim como poderia ser. É o conceito de verossimilhança: o que parece real na obra. Não interessa se você está assistindo um filme histórico sobre a 1ª Guerra Mundial ou uma ficção científica que se passa no espaço; internamente essas obras contam com uma estrutura que apresenta regras próprias, que fazem sentido no contexto, mas não necessariamente em outro. É bastante simples; você aceita que o Super-Homem possa parar uma bala com o globo ocular, mas não que o Batman faça o mesmo.
A verossimilhança diz respeito também às ações dos indivíduos. Se um personagem paga de maioral em uma encruzilhada e mata seu próprio pai, trepando com a mãe logo em seguida, é esperado que, assim que descubra a verdade, se desespere, e se sinta tão enojado e desamparado que decida se cegar. Ou que paleontólogos, ao verem dinossauros vivos em pleno século XX, sintam um misto de espanto, excitação, alegria e medo. Qualquer coisa diferente (“Yes, comi minha mãe!” ou “Dinossauros? Legal. Posso ir embora agora? Tenho que ir ver a novela.”) soaria estranho.
Percebe-se, então, que a verossimilhança é importantíssima, pois ela que garante a imersão na obra e a identificação com a situação. Papo para a próxima coluna. Aguardo a todos lá. Aproveitem e comentem aí abaixo, enriquecendo a conversa. Ninguém está nem perto de estar bêbado ainda…
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