Essas eleições deram muito o que falar, ler, compartilhar (compartilhar sem ler) e discutir. Alguns perderam amigos virtuais, outros só a compostura. No meio disso tudo, a grande imprensa e as redes sociais em seu papel preponderante na divulgação de informações, com capas, denúncias, gráficos, pesquisas. A exibição de “verdades” para todos os gostos. Muitas, no entanto, pra lá de duvidosas.
Mas a verdade é: nem tudo o que é verossímil a alguns é verdadeiro e nem tudo que é verdadeiro é verossímil a todos. Metalinguístico isso, não? Pra exemplificar, nada melhor do que uma das peças publicitárias mais prestigiadas da propaganda brasileira. Trinta segundos que valem a pena:
Bom, apenas alguns dos exemplos entre tantos outros, inúmeros são os filmes que brincam com essa dicotomia entre verdade e veracidade que, obviamente, vai muito além da política. Show de Trumam (Peter Weir, 1998) conta a história de um personagem que vive, sem saber, dentro de um programa de TV. Obrigado por Fumar (Jason Reitman, 2005) retrata o poder de convencimento de um lobista das companhias de cigarro. Caché (Michael Haneke,2005) relata uma família que começa a receber gravações de seu próprio dia-a-dia, mostrando como é complicado distinguir, a partir de si mesmos, o que é fato, o que é mentira e o que é verdade. Sinedoque, Nova York (Charlie Kaufman,2008) mostra a montagem de uma peça de teatro cuja finalidade seria retratar a realidade do próprio autor da peça, mas que acaba por deixar o espectador sem clareza sobre o que é ficcional e o que é realidade.
A construção da verdade passa, obrigatoriamente, pelo o que é verossímil. A palavra construção, no início desse parágrafo, é essencial, visto que é absolutamente comum o ceticismo de terceiros em relação ao meu verdadeiro, isto é, se é que existe realmente a “verdade” e se ela não seria relativa ou subjetiva, portanto, construída.
– Mas contra fatos não há argumentos!
Na “verdade” há sim. E todo tipo de argumento, dependendo da realidade histórica de cada um, da subjetividade do conhecimento de cada indivíduo e como isso é partilhado e aceito socialmente. Ok, vamos aos exemplos:
Isaac Newton, ao explicar o átomo, escreveu: “Parece provável para mim que Deus no começo formou a matéria em partículas movíveis, impenetráveis, duras, volumosas, sólidas (…) e nenhum poder comum é capaz de dividir o que Deus, ele próprio, fez na primeira criação”. Kepler dizia que seus estudos científicos serviriam para construir um templo para Deus. Para Pascal, Jesus Cristo era o centro de tudo e Copérnico, aquele que colocou a Terra no seu devido lugar com sua teoria heliocêntrica, foi cônego na Catedral de Frauenberg.
Os conhecimentos mencionados acima só poderiam ser aceitos como verossímeis a partir do conhecimento social da época. Posteriormente, com a ascensão da burguesia e do movimento filosófico iluminista (o qual buscava a separação entre a ciência e a religião, com a ideia de que o progresso humano poderia ser ilimitado se estivesse “livre das tolices, ignorâncias, superstições e misticismos”) a realidade do conhecimento partilhado passou a ser outra. Laplace, por exemplo, ao ser perguntado por Napoleão Bonaparte sobre por que ele não mencionara Deus em seu livro Mecânica Celeste, respondeu:
– Sua Excelência, eu não preciso dessa hipótese.
A verdade, portanto, não seria mais revelada pelo divino, mas pelos próprios homens, apresentando-se de maneira diametralmente distinta: a “verdade” científica como processo de investigação, com o ideal de racionalidade como base de sustentação, versus a “verdade” religiosa, dada como espiritual e emocional, isenta da necessidade de provas ou contestações. Desta forma, os argumentos de um não são válidos para corroborar ou arguir os argumentos do outro e, sob este aspecto, a discordância e o conflito tornam-se permanente entre ambas as verdades.
Sabemos que a verdade religiosa influencia ainda hoje, mas não como influenciara tempos atrás. Giordano Bruno, queimado vivo, que o diga (se pudesse). Durkheim, considerado o pai da sociologia moderna, não trata a verdade como se independesse da sociedade humana e sua história. Para ele, criamos o conhecimento e a verdade da mesma forma como criamos as instituições: não de qualquer forma, mas em relação com a nossa história e com base naquilo que as gerações passadas descobriram ou criaram.
Atualmente se dão de várias maneiras as construções e a difusão dos diversos discursos contidas nas informações partilhadas. A busca pela veracidade das histórias contadas na imprensa e nas redes sociais, por exemplo, com muita frequência não passam de meras denúncias. E todos nós, que permeamos o senso-comum e a superficialidade em algum ponto, causa fundamental da repetição e reprodução das inúmeras verdades, suas diferenças e discordâncias, estamos suscetíveis à reproduzi-las. Daí até chegar a tal da polaridade, não se anda muito.
A máxima “ganhar uma discussão não significa convencer o oponente”, dita muito antes das nossas infindáveis discussões políticas e amizades perdidas nas redes sociais, tem lá seu fundo de verdade. Portanto, não adianta ficar indignado que, mesmo diante de todo o seu esforço compartilhando informações e argumentando parágrafos inteiros numa discussão em um post qualquer, outras pessoas não compactuem da mesma verdade. Isto vai muito além de você.