Na época do lançamento de Vingadores Ultimato, presenciei uma cena incomum dentro das salas de cinema: o público gritou, aplaudiu e comemorou como se estivesse vendo o time do coração ser campeão da Libertadores. Não era exatamente uma novidade. Nas sessões de As Duas Torres e O Retorno do Rei também existiram momentos de comemorações exageradas. O problema é que deixaram de ser situações isoladas para se tornarem comum, especialmente em sessões de filmes de bonecos ou filmes populares, como Barbie.
Entendo completamente que a reação de uma pessoa em relação à arte é um direito individual. A gente pode chorar, pode rir, gritar, assustar etc. Quando compartilhamos um evento com outras pessoas, como em sessões de pré-estreia, por exemplo, estamos sujeitos a rir ou assustar mais do que em uma exibição com menos pessoas. Há quem se incomode com isso porque considera o cinema uma experiência individual e não quer a interferência de terceiros. Pessoalmente, eu gosto da energia de uma pré-estreia porque é mais envolvente que ver sozinho em casa.
O problema começa quando essas reações ultrapassam o direito da sua individualidade e interferem na experiência do outro. Acho BIZARRO quando vejo o público se levantando para aplaudir um filme blockbuster. Que emoção é essa? É real ou vontade de aparecer? De criar um movimento, reunir a tribo e tornar o ato de ver um filme em algo mais coletivo? Infelizmente, eu tenho a tendência de reconhecer essas ações como uma forma de gerar conteúdo para as redes sociais. Não é natural. Minha opinião sobre aplausos mudaria drasticamente se um diretor, ator, produtor, roteirista ou sei lá quem, estivesse presente na sessão. Só assim bater palmas faria sentido.
Sabemos, no entanto, que bater palmas no final de um filme é o menor dos problemas que enfrentamos durante uma sessão atualmente. As pessoas não calam a boca. Mexem nos seus telefones o tempo inteiro. E se sentem como não se todos os outros presentes não se importassem com a falta de silêncio. Isso é o que me faz evitar ir ao cinema no final de semana. Depois de 15h é muito improvável tentar ver um filme sem correr riscos de se meter em confusão porque tem gente conversando durante a exibição.
Apesar de não ser o tema da coluna de hoje, fazer essa longa introdução falando da reação do público nas salas e do comportamento atual é importante para discutir tudo que está sendo dito sobre o comportamento do público no lançamento do filme concerto Taylor Swift: The Eras Tour.
O primeiro ponto é questionar porque uma magnata do pop como Taylor Swift preferiu lançar um filme-concerto gravado ao invés de repetir passos de Roger Waters e Metallica, que em 2023 fizeram transmissões ao vivo de seus shows para serem exibidos nos cinemas. Uma hipótese que ninguém pode descartar é o lado financeiro. Ainda que dinheiro não seja problema, você não cria uma ação lucrativa se tiver muitos gastos. E tudo bem, não precisa fazer ao vivo como outros fizeram.
O segundo ponto é garantir que todo mundo que bancou os R$ 80 do ingresso para ver o filme concerto está a fim de brincar de show de mentirinha. Será que todo mundo foi com a disposição de cantar e dançar o tempo inteiro? Por mais improvável que pareça, arrisco dizer que não. Nem todo mundo estava lá para bagunçar. Foram para curtir sua artista favorita no sossego do cinema, sem lidar com as vozes esganiçadas e desafinadas das outras pessoas. Claro que é uma situação atípica. Então, todo mundo foi avisado do que seria ver esse filme nas sessões de lançamento. Não deixa de ser desconfortável, mas também não é como se ninguém soubesse o que esperar.
Mas essas duas questões não me incomodam. Ao contrário do que disse meu amigo Joubert, a alegria das pessoas não me incomoda. No entanto, é perfeitamente possível presenciar um êxtase eufórico (ou histérico) ser feliz e depois analisar que diabos acabou de acontecer. No ponto de vista do estudo de comportamento do consumidor, a idolatria parece capaz de qualquer coisa. Não é subestimando a força da maior artista dos anos 2010 e provavelmente desta década que estamos, muito pelo contrário. Como é que pode uma pessoa, com pleno controle das suas faculdades mentais, ir para o cinema ver um show gravado e viver a experiência como se fosse “real”, como se estivesse acontecendo ali. A graça de um show é que ele é único. Você aceita viver aquilo porque sabe o real sentido de aproveitar o momento.
Com seu filme concerto, Swift subverte a lógica e torna uma gravação (que será repetida várias vezes ao longo dos próximos dias) em um momento especial e que se aproxima (pelo menos para quem estava lá) da experiência de um show de verdade. E preciso repetir: não se trata de um show ao vivo, mas da gravação de uma apresentação que aconteceu meses atrás. É a mesma coisa de você convidar vários amigos para a sua casa, pegar um vídeo de um show completo do Pink Floyd no YouTube, distribuir LSD para todo mundo e achar que está vivendo a mesma experiência do show. Ou de um filme-concerto. Que raios de experiência é essa de filme-concerto, afinal?
A impressão é que estamos cada vez mais próximos do futuro apocalíptico apresentado na animação Wall-e. Com o avanço das tecnologias e nosso vício (consciente ou não) nas telas, podemos preferir cada vez mais o consumo de arte em casa. O streaming já conseguiu reduzir o interesse do público pelo cinema. Será que quando outros artistas começarem a explorar a mina de ouro que é usar o poder de influência para vender mais para seus fãs, vamos ter uma diminuição no interesse por eventos ao vivo? Acho improvável, acho difícil, acho quase impossível. Mas não seria um exercício absurdo prever que é uma realidade bem possível de acontecer, na medida em que as telas se tornam quem somos e não apenas parte de nós, como atualmente.