Essa semana viralizou um tuíte (ou xuíte, aparentemente) de um jornalista alegando que os exibidores brasileiros estão preocupados. Afirmam que as pessoas pararam de ir ao cinema e acusam o streaming como grande culpado. O departamento de marketing dos exibidores sabe da importância de nomear um inimigo para justificar os números baixos. Sobrou para a Netflix…
Quando discutimos, e fazemos isso com frequência, no grupo do Cinema de Buteco sobre essas questões, cada pessoa consegue citar, no mínimo, mais três motivos para explicar o aparente abandono do público. O preço dos ingressos (considerado elevado) é o ponto mais citado, mas também podemos destacar o comportamento do público nas salas, aumento no volume de sessões dubladas em detrimento das opções legendadas, excesso de filmes de bonecos, dentre outros.
O portal Exibidor publicou o resultado de uma pesquisa ano passado e esse ponto me chamou a atenção:
“O principal insight foi justamente o desta queda na frequência, sendo especificamente de 23% de pessoas que vão ao menos uma vez por mês no cinema, 6% ao menos duas vezes por mês e 5% três vezes ou mais. Em comparação, esses valores eram de 36%, 26% e 18% respectivamente antes da pandemia.”
Ou seja, não é como se o streaming fosse exatamente inocente, mas o que mudou de verdade foi o comportamento do público. O período de isolamento social mudou a nossa forma de consumo e acelerou nosso envolvimento com tecnologia em anos. Cada vez mais, queremos fugir do esforço de sair de casa ou de criar motivos para preferir o cinema do que nosso sofá. Grandes nomes do mercado, como Steven Spielberg e Martin Scorsese, já deixaram suas previsões para o futuro.
Além da pandemia, o modelo de produção da Disney/Marvel também mudou as coisas. E quem ajudou a criar o monstro foram os próprio exibidores. Cada vez menos teremos espaço nos cinemas para filmes pequenos. já que o exibidor prefere deixar apenas as grandes produções. Ninguém quer perder dinheiro. Entre salas vazias exibindo filmes independentes ou nacionais ou salas vazias exibindo filmes de boneco, a segunda opção parecer ter mais lógica na cabeça dos responsáveis. Mesmo que isso signifique afetar toda produção do cinema nacional. Essa discussão é tão importante que trouxe de volta uma antiga lei brasileira chamada Cota Tela, que deixou de ser aplicada em 2019. Coincidência ou não, primeiro ano do mandato do ex-presidente-já-foi-tarde Jair Bolsoasno. A Cota Tela obriga que as redes de cinema destinem um número mínimo para os filmes nacionais. Ou seja, é um incentivador e tanto para ajudar na promoção, mas não é a única coisa a ser feita. No entanto, isso é outro assunto para outro momento.
Mas… então quer dizer que o cinema vai acabar?
Em julho de 2023 vivemos o “fenômeno” Barbenheimer. As estreias de Barbie e Oppenheimer, marcadas para o mesmo dia, agitaram o mercado. Segundo a Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (ABRAPLEX), o filme de Greta Gerwig arrecadou R$ 22 milhões na sua estreia. Levou mais de um milhão de pessoas aos cinemas e se tornou a segunda maior estreia do cinema no Brasil. O primeiro lugar ainda é de Vingadores Ultimato.
Oppenheimer faturou R$ 13 milhões, com aproximadamente 500 mil espectadores. No entanto, a bilheteria do longa dirigido por Christopher Nolan foi beneficiado pelo fator Barbie. Isso porque muitos espectadores queriam ver Barbie, mas esbarraram em sessões lotadas e/ou esgotadas. Assim, a opção foi ver a história do criador da bomba atômica. Esse “rebote” é o que torna tão importante a disponibilidade de opções variadas para acompanhar grandes estreias.
Porém… episódios como Barbenheimer são raros. Acredito que Barbie seria um sucesso, de qualquer forma, mas ele incluiu três fatores chave responsáveis pelo seu resultado:
- Lado emocional e afetivo (Barbie fez parte da vida de praticamente toda a nossa geração)
- Qualidade do filme (é uma comédia muito engraçada, recheada de críticas inteligentes contra o machismo)
- Marketing bem feito
Óbvio que não é todo lançamento que terá dinheiro/gente competente por trás para ter um marketing criativo. Barbie seria relevante de qualquer forma, mas conseguiu transcender porque, tal qual a bomba atômica de Nolan, potencializou ao máximo seus principais atributos. A divulgação nas redes sociais criou até um movimento para as pessoas irem aos cinemas usando rosa. Enquanto isso significou muito para os públicos mais engajados em lutas sociais, para a maioria era apenas uma grande brincadeira (e resposta para os filmes de bonecos – o que, ironicamente, não deixa de ser o caso de Barbie).
O sucesso estrondoso de Barbenheimer explica porque o cinema nunca vai acabar. O cinema só acaba quando a humanidade deixar de existir, pois nós, como humanos, precisamos e dependemos do entretenimento para descansar. O ato de ir ao cinema é um verdadeiro ritual e não deixará de existir. Podemos sim ver a extinção do volume de salas de cinema, o que vai elitizar ainda mais o consumo, o que é uma consequência histórica da nossa relação com a arte. Pesquisas de 2010 apontavam que mais de 50% da população brasileira NUNCA pisou em uma sala de cinema e/ou teatro. Não encontrei dados recentes, mas será que diminuiu muito? Eu duvido.
No Brasil temos uma sala de cinema para cada 59 mil habitantes. Já nos Estados Unidos, a média é de 1 sala para 8 mil pessoas. Não é justo comparar o perfil de um país com o outro, já que temos diferenças significativas no poder econômico e, principalmente, nos preços elevados que brasileiros precisam pagar para absolutamente qualquer coisa.
A possível diminuição das salas de cinemas não é nenhuma novidade. Até o final da década de 1990, Belo Horizonte tinha várias salas de cinema de rua. Todas viraram estacionamento ou igreja evangélica. O Cine Palladium, uma das maiores salas de cinema da cidade, recentemente foi “ressuscitado”, mas como um espaço multicultural, com teatro, shows, mostras e cinema. No entanto, nem se compara com a época em que era a melhor opção para ver um filme na telona.
A solução para o problema não é ser alarmista ou mesmo tratar o assunto como se fosse uma novidade avassaladora. Só surpreende quem não vai mais ao cinema. Acredito que uma série de ações promocionais com maior frequência, cupons de desconto para shoppings que contam com grandes redes de super-mercado, poderiam ajudar a trazer mais pessoas para as salas. O melhor mesmo seria reduzir o preço dos ingressos, especialmente porque o lucro maior está no consumo de pipoca, refrigerante e doces, mas essa é uma discussão perdida. Mas acima de tudo, uma renovação na forma de se entender o público e o que queremos assistir. A fórmula da Disney não vai parar de funcionar, mas o Cinema é muito mais do que apenas continuações, adaptações e filmes de homenzinhos com cueca em cima da calça.