Hollywood tem uma tradição imutável: glorificar a juventude enquanto descarta aqueles que ousam envelhecer. É quase um ritual de sacrifício, onde atrizes são elevadas ao estrelato para, em seguida, serem trocadas por versões mais jovens assim que o brilho de sua pele começa a refletir mais experiência do que ingenuidade. O episódio mais recente dessa farsa institucionalizada foi a indicação de Demi Moore ao Oscar por um filme que denuncia exatamente esse ciclo cruel – apenas para ela perder a estatueta para Anora, um longa estrelado por uma jovem atriz interpretando uma prostituta. Se isso não é ironia, eu não sei o que é.
Mas vamos por partes.
Demi Moore e o Preço da Coragem
Demi Moore não é apenas um ícone dos anos 80 e 90; ela é um estudo de caso sobre como Hollywood pune mulheres que ousam explorar sua sexualidade em tela. Desde Striptease (1996), filme pelo qual foi massacrada (enquanto os homens que escreveram e dirigiram a produção seguiram ilesos), Moore carregou o estigma de ter interpretado uma stripper – como se esse papel a desqualificasse para qualquer outra coisa. A hipocrisia é evidente: Al Pacino pode ter sido cafetão em Scarface, De Niro pode ter sido taxista psicopata, mas uma mulher que interpreta uma stripper? Ah, essa nunca mais se livra da marca.
E agora, ironicamente, ela estrela um filme que fala exatamente sobre isso – sobre como o corpo feminino é uma mercadoria com prazo de validade, constantemente trocado por um modelo mais novo. Sua performance foi celebrada, e sua indicação ao Oscar parecia um reconhecimento tardio de uma carreira marcada por injustiças. Mas, na noite da premiação, o troféu dourado foi entregue para uma jovem estrela de Anora, um filme sobre uma prostituta.
Agora, não se trata de dizer que a jovem atriz vencedora não merecia o prêmio. Mas a escolha ressoa com um padrão que Hollywood repete há décadas: premiar a juventude enquanto descarta a maturidade. Demi Moore viveu uma profissional do sexo e sofreu as consequências; outra atriz faz o mesmo papel anos depois e é celebrada. O que mudou?
A Juventude como Moeda de Troca
O problema é que a indústria não quer que suas estrelas femininas amadureçam. Ela exige que se reinventem – não como versões mais sábias de si mesmas, mas como se fossem camaleões tentando disfarçar o tempo. Há um motivo pelo qual homens como Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Tom Cruise continuam sendo protagonistas de filmes de ação aos 50 e 60 anos, enquanto atrizes da mesma geração precisam se contentar com papéis de mães ou avós.
E Moore não é a única vítima desse sistema. Meg Ryan desapareceu após passar dos 40. Michelle Pfeiffer, uma das maiores atrizes de sua geração, passou anos relegada a papéis secundários. Até Meryl Streep, que conseguiu driblar essa tendência, sempre foi a exceção, nunca a regra.
E Hollywood continua reciclável. Jennifer Lawrence chegou para substituir Angelina Jolie. Florence Pugh para substituir Jennifer Lawrence. Zendaya para substituir todas as anteriores. Nenhuma dessas mulheres poderá reinar por muito tempo – e elas sabem disso.
O Paradoxo de Anora
E o que dizer sobre Anora, o filme que levou o Oscar? O longa tem sua própria ironia embutida. Ele não apenas repete o clichê da “prostituta com coração de ouro” – uma das fantasias masculinas mais recorrentes do cinema – como também reforça a ideia de que o sofrimento da juventude feminina é algo cinematograficamente mais atraente do que a experiência de uma mulher que sobreviveu a esse sistema.
O que isso significa? Que Moore foi novamente posta no papel de relíquia de uma era passada, uma recordação do que acontece com aquelas que ousam ultrapassar o tempo de validade imposto pelo mercado.
O Oscar Ainda Importa?
Demi Moore perdeu a estatueta, mas a questão maior é: esse prêmio ainda importa? O Oscar há muito tempo deixou de ser um reconhecimento puramente artístico para se tornar um jogo de interesses, um reflexo das dinâmicas de poder da indústria. Ganha quem está no auge do hype, quem tem o lobby mais forte, quem faz parte da narrativa do momento.
Se Moore tivesse vencido, teria sido um tapa na cara do próprio sistema que a descartou anos atrás. Mas isso exigiria uma mudança real na maneira como Hollywood opera – e mudanças reais são raras nessa indústria. É muito mais fácil apenas premiar a próxima jovem estrela e seguir em frente.
O Ciclo Continua
Demi Moore pode não ter levado o Oscar para casa, mas levou algo ainda mais valioso: a prova de que a indústria ainda não conseguiu superá-la. Seu filme continua sendo discutido. Sua carreira, reavaliada. Seu impacto, inegável.
A nova estrela de Anora também será celebrada – até que sua substituta chegue. E quando isso acontecer, talvez ela se lembre de Moore, de todas as mulheres que vieram antes, e perceba que, em Hollywood, a juventude não é um presente. É apenas um contrato temporário.