O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers e deve ser apreciado com moderação.
MEU PRIMEIRO CONTATO COM JOHN CARPENTER foi justamente em À Beira da Loucura, lançado na metade dos anos 90. Me recordo de ter assistido ao filme inúmeras vezes pelo canal HBO, mas sempre ficava chateado por perder o começo ou o final (sou daquele tipo que dorme assistindo filme, independente dele ser bom ou não) da trama. Inteiro mesmo foram poucas vezes que vi, mas esses detalhes apenas o tornaram inesquecível e um dos filmes da minha infância. Certo. Deve ter pegado muito mal admitir que John Carpenter fez um dos filmes da minha infância. Aposto que as pessoas irão me julgar: “que tipo de infância ele teve, hein?”. Enfim.
O filme conta a história de um investigador de seguros que precisa encontrar um excêntrico escritor que desapareceu e deixou sua editora no prejuízo. Os livros do tal escritor gás nobre ficaram famosos por causarem efeitos fortes nas pessoas, que ficam agressivas e ansiosas por ler mais material. Ou seja, se o livro novo não for lançado rápido, corre o risco de ter uma verdadeira revolução nas ruas da cidade. O investigador então vai parar numa misteriosa cidade e descobre da pior maneira possível o quanto o ditado: “o nosso destino está escrito” pode ser doloroso e real.
Carpenter oferece ao espectador um curioso jogo de metalinguagem ao deixar claro que tudo que acontece na tela não passa da encenação do livro mais recente do escritor. Por mais que o público queira torcer pelo personagem de Sam Neill escapar com vida, a verdade é que a história está nas mãos do próprio diretor (encarnado no escritor) e ele não parece muito interessado em perder a oportunidade de bancar Deus e brincar com o universo dos escritores. Sobra até mesmo para Stephen King.
Fazendo um paralelo da época de lançamento do filme com o estágio da carreira de Carpenter (que naquele momento começava a trabalhar em filmes menores e sem muita qualidade), é possível dizer que À Beira da Loucura seja um recado para os críticos: “O filme é meu e faço com ele o que bem entender”. Claro que o longa-metragem está bem distante da qualidade de seus primeiros trabalhos, mas certamente é um filme de respeito e que também aborda de maneira brilhante o ceticismo de um homem ao lidar com algo completamente desconhecido. Uma revisita à paranoia apresentada brilhantemente em O Enigma do Outro Mundo e o suspense de Halloween, mas de uma maneira mais caricatural, quase que parodiando o gênero tamanho o exagero das interpretações.
Enquanto assistia ao filme novamente, a trilha sonora da introdução me chamou a atenção: “então quer dizer que foi daqui que ouvi “Enter Sandman” pela primeira vez? Valeu, Carpenter!”, mas então percebi que se tratava apenas de uma faixa instrumental extremamente parecida com um dos maiores clássicos do Metallica. Geralmente sempre admiro bastante os trabalhos de composição do diretor, mas o “quase” plágio acabou diminuindo o brilho da trilha.
Para quem gosta de aplicar a tal “regra dos 15”, À Beira da Loucura passa com louvor e mesmo sendo bem trash (Deus, o que são aqueles efeitos especiais dos monstros?), os fãs do horror terão bons momentos de diversão ao longo da curiosa trama. Os cinéfilos poderão torcer o nariz para os personagens rasos, cujas personalidades são pouco trabalhadas, mas se tratando de um filme de John Carpenter, esse detalhe merece um desconto.
Nota:[tres]