Quando percebi, tudo era horizonte.
Tudo era estrada, caminho.
Tudo era ida. Nada era volta.
As árvores e as cercas passavam indiferentes.
Os sonhos apontavam para o sul. O coração apontava para o norte.
Os filhos e os pais apontavam para a morte.
Quando percebi, tudo era saudade.
Tudo era solidão, maldade.
As velhas fotografias amarelavam com o passar das horas.
Com o passar das árvores, das cercas, dos amores.
Com o passar dos sonhos.
A pele também amarelava com o passar das dores.
Quando percebi, tudo era lembrança.
Todos eram adultos. Eu era criança.
Tudo era desprezo. Nada era esperança.
A paisagem era só vidro e gota d’água.
Paisagem sem som, só fúria.
Paisagem de silêncio, de censura.
O desejo de liberdade era marcado a ferro fervente.
À navalha na carne, a ouro no dente.
Quando percebi, já era tarde.
Tudo era arame, pele sangrando.
Os suores e os odores anestesiavam os prisioneiros.
Minha poesia ecoava pelas tabernas, também anestesiando.
Meus olhos eram de fera, algo de besta, de canino.
Devorava o cordeiro, engolia seu destino.
Quando percebi, a jaula estava aberta.
Tudo era corredor, escuridão. Tudo era revolta, podridão.
As bocas e os cadáveres passavam indiferentes.
As fotografias amareladas passavam indiferentes.
As cercas, a solidão, o ferro fervente.
O desprezo, a paisagem, a navalha na carne de toda gente.
Tudo era areia, nada era mar.
Nada pra amar.
Quando a vida me percebeu, eu já havia tentado voar.