Xaveco de Buteco: Conto #6 Fonseca

– Matei um cara! – disse a voz ofegante.

Meu cérebro não está totalmente desperto, mas reconheço prontamente a dona da exclamação. Já tinha ouvido muita sacanagem daquela voz. Muitas declarações também. Em quase trinta anos de carreira, confesso ter me envolvido com dezenas de prostitutas, mas com Sâmia é diferente. Seus dezenove anos, seus olhos grandes, seus peitos e sua petulância são incomparáveis.

– Você precisa me ajudar. Eu tô num motel, num hotel. Mentira. Numa pousada. Pousada Rio Acima. Procura aí no Google. Rápido – gritou a jovem.

            Conheci Sâmia durante um plantão solitário na última noite de Natal. Combinei um revezamento com o Vieira: eu folgaria na virada do ano e ele, como tinha família, ficaria em casa no dia 24. Sempre me passa pela cabeça o que teria acontecido se o acordo tivesse sido o contrário e ele estivesse na delegacia naquela madrugada quente, olhando pela fresta da veneziana, e recebendo aquele presente angelical, seminu e desesperado.

            – Fica na beira da rodovia. Aqui perto da zona da Vânia. Corre! – explicou a garota, cada vez mais nervosa.

             Lembro que eu tinha deixado a porta semiaberta e ela entrou apressada. Havia sido agredida por Fonseca, um vagabundo famoso da região, depois de ter cheirado alguns produtos dele, sem autorização e sem grana. Cuidei dela e a deixei em casa. Sâmia retornou algumas vezes ao distrito para me agradecer e acabamos nos envolvendo. Até passei o Ano Novo com ela. Estamos juntos há poucos meses, mas já o suficiente para que eu, pela primeira vez, esteja cogitando a possibilidade de ter um lar. É certo que ela tem idade para ser minha neta, mas isso não nos incomoda. Os dias ao lado dela são mais curtos e as noites no plantão, sem ela, um inferno. Por isso decidi me aposentar e derreter o que sobrou do meu corpo na lava de um vulcão sexual.

– Caramba, Fonseca. Mar Adentro? Eu disse Rio Acima, Fonseca. Você é surdo? Vem logo. O cara tá aberto aqui na minha frente – suplicou a intensa voz.

São três e pouco da madrugada e meu cérebro não está totalmente desperto. Ela disse Fonseca? Meus olhos estão pesados, mas com esforço, consigo abri-los. Só vejo sangue e meu peito rasgado por um abridor de latas.

Vejo também os pés de Sâmia, inquietos, próximos à mesinha do telefone.