Soou o alarme e as máquinas foram desativadas automaticamente. Alguns operários permaneceram sentados, enquanto outros partiram rapidamente para o vestiário. Ao contrário do que fazia todas as sextas, Sílvio ficou estagnado, retirou calmamente o equipamento laranja dos ouvidos e pendurou no pescoço. Olhava fixo para o horizonte, quando foi surpreendido por uma voz distante:
– Bora, Pardal. Vai dormir aí? A van tá esperando a gente.
O coração de Sílvio estava gelado pela proximidade do centenário de seu avô, evento que reuniria a sua família no dia seguinte. Seria a primeira vez que reencontraria Larissa, depois do traumático divórcio. O casamento entre os primos havia sido bem aceito pelos parentes, mas o término controverso gerou a total demonização de Sílvio perante todos.
Muito meiga e carinhosa, Larissa sempre tivera facilidade em conquistar a simpatia das pessoas. Porém, a sua ensolarada personalidade foi brutalmente engolida pelo breu da depressão após a separação. Era um consenso entre amigos do casal que Larissa não merecia o calvário que Sílvio a fez viver. Em que pese a compaixão e o apoio de muita gente, somente o surgimento de um novo amor fez com que ela sorrisse novamente e interrompesse a sua ânsia constante de pôr termo à própria existência. Henrique, milionário, dono de uma rede de frigoríficos, foi um verdadeiro Messias na salvação da garota.
Do outro lado da tela, Sílvio acompanhava e não suportava a felicidade de Larissa. Era um suplício ver o esqui em Aspen, as férias na Disney, o safári na África e os jantares na Champs-Élysées, enquanto fazia piquete por tíquete-alimentação e adicional de insalubridade. Ainda que aquilo o flagelasse, criou um perfil fake para segui-la nas redes sociais, insaciavelmente. Seus dedos deslizavam pelo humilde celular e seu orgulho escorria deprimente, esgoto abaixo. Sílvio tinha absoluta certeza que aquele aniversário seria muita humilhação para ele, todos o olhariam de rabo de olho, zombariam de sua decadência às suas costas, comparariam o seu blusão ao suéter do magnata da carne e alguns até sentiriam pena. Larissa ficaria rindo alto e contando detalhes de seu último passeio pela Riviera Francesa, de seu plano de ser mãe e de como o Brasil estava inabitável para empreendedores e cidadãos de bem.
Sílvio não cogitava a hipótese de não ir ao aniversário de cem anos do avô, pois tal atitude seria como assumir a derrota, demonstrar fraqueza, dar mais brilho ao final feliz de Larissa e ferir de morte o que restara de sua honra. A única saída possível seria o cancelamento da festa.
Pensou: “e se o velho morresse ainda hoje?”.
– Gangorra, grita pro Totonho que não vou voltar de van – disse ele ao colega.
Sílvio fez uma visita ao avô naquela noite e não assistiu ao telejornal. Larissa havia fugido para Miami, depois que a Polícia Federal interceptou uma ligação telefônica de seu marido.