Metrópole brasileira. Bairro da periferia. Ano de 1985. Um grupo de meninos joga futebol na rua. O esporte era a principal diversão da garotada do bairro. Um deles era o Toninho, filho de Seu Severino e Dona Joana. Toninho levava uma vida típica de um menino de 12 anos: de manhã acordava cedo; saía correndo para escola porque estava sempre atrasado; voltava para casa; almoçava; vestia o short; despedia da mãe com um beijo, ao mesmo tempo, que falava:
– Até mais, mãe! Vou jogar bola e volto às 16h para fazer a lição.
– Vai devagar, menino! Para que, correr? Toma cuidado.
Já quase do lado de fora, ele gritava:
– Pode deixar!
A vida era mansa naquele tempo. Enquanto Toninho passava a tarde jogando bola; Dona Joana cuidava da casa e Seu Severino trabalhava como pedreiro. Homem trabalhador e de sorriso fácil, ele aprendera o ofício com o pai, que seguira os passos do avô. A tradição dos homens da família era motivo de muito orgulho, tanto que sempre declarava:
– Rapaz, outro dia acabamos de construir mais uma casa. O dono gostou tanto, que não parava de elogiar. Também tive os melhores professores. O talento tá no sangue, soltava a frase com orgulho estampado no rosto.
Mesmo assim, sonhava com outra profissão para o único filho: jogador de futebol. Claro! Como poderia ser diferente? Era só ver o moleque com a bola. O talento era de nascença. Toninho tinha uns 4 anos quando ganhou a primeira bola. Seu Severino sempre enaltecia os primeiros ensaios do filho:
– Ele mal tinha aprendido a andar e já sabia driblar. Esse moleque vai longe!
O treino acontecia todo dia na rua. Aos domingos era para valer. No campinho de terra, que os moradores improvisaram no terreno baldio, o campeonato era o grande evento da vila. A partida só tinha um nome: Toninho. Era gol de placa, de escanteio, de falta, sem contar a fila de dribles. A galera ia ao delírio.
Foto: Felipe Couri
Foi depois de um desses jogos, sentado na cozinha, que Seu Severino soltou:
– Jô vai se preparando porque falta pouco pro Toninho ser jogador profissional. Tô trabalhando dobrado, para poder empresariar nosso menino. Você sabe, né?
– Severino, não é muito cedo? Ele só tem 12 anos. Precisa acabar os estudos, porque se não der certo no futebol. Ele pode ter um bom emprego.
– Para com isso, mulher! Toninho é o nosso Pelé. Ele vai deslanchar. Você vai ver.
– Não sei não… Mas, tá bem! Vamos confiar.
– É isso aí, Jô! Pode confiar no nosso menino. Deus vai nos ajudar.
O casal se abraçou ternamente e foram dormir. Uma semana depois, Severino se preparava para começar mais um dia, naquele dia acordou indisposto, sentiu cansaço e calor, tanto que chegou suado no canteiro de obras. “Isso é cansaço do trabalho”, pensou. Ao chegar, cumprimentou os colegas e foi direto para o posto de trabalho. Estava lá assentando os tijolos, quando, de repente, sentiu uma dor lancinante e intensa no peito. Contorceu de dor, não conseguiu nem pedir ajuda, o corpanzil foi ao chão e levou junto tudo que estava ao redor. BUM! O barulho foi tão alto que chamou a atenção. Quando foram ver, já encontraram Severino desfalecido. Foi uma gritaria, um corre-corre, o colega João foi até a padaria, ligar para a emergência.
Dona Joana logo foi avisada pelo mestre de obras e amigo de anos, o Carlão. Quase faltou ar quando ouviu a notícia. Muito religiosa começou a rezar. Foi ao quarto de Toninho falar que o pai estava no hospital. Ele não entendeu nada, só viu a mãe sair de carona com o vizinho taxista. Chegando lá, a cara de todos já denunciava o final trágico.
Dona Joana teve que voltar a trabalhar. Saía cedo e voltava tarde. Toninho passava os dias sozinho e durante um bom tempo, até jogar bola não tinha mais graça. Vendo o sacrifício da mãe, arranjou emprego no mercadinho do bairro. Começou como empacotador, passou para repositor e entregador. Gostava de fazer entregas por causa das gorjetas. Mesmo com a rotina atribulada, o futebol estava sempre presente. Sua dedicação motivou o tio Raimundo a fazer a vez de pai. Com a permissão de Dona Joana levou Toninho aos grandes clubes. Ouviu muitos NÃOS, até que um dia sua persistência foi recompensada. Aos 15 anos, Toninho era jogador do time de base de um grande clube. Dali em diante, a história disse por si mesma. Foi alavancando postos no time e não parou mais.
Assim, concretizou o sonho do pai. Ah, como a vida era boa! Até que… foi interrompido por um chamamento. De longe, ele ouvia seu nome “Tonho! Tonho! Ei, você tá dormindo?”. De volta à realidade. Olhou para o colega e ouviu “come logo sua marmita, que só tem mais 10 minutos de almoço.” Sentado em um banco improvisado, entre tijolos, cimento, fios, acelerou as garfadas ainda pensando no sonho de ser jogador de futebol, o pai tanto queria. Nem deu tempo de se sentir frustrado. Seu olhar mirou bem numa pilha de instrumentos da obra, então se lembrou que herdara o mesmo talento do pai e do avô: ninguém conseguia colocar um revestimento tão bem quanto ele, era o rei do acabamento!
Abriu o sorriso, olhou para o alto, fechou os olhos e voltou ao trabalho aos gritos do colega, chamando para o batente.
– Já sei. Tô indo.