Sou uma, feita de partes. Sou como uma colcha de retalhos. Quantas partes existem em mim? Existe a Durona que me fez forte para encarar a gravidez precoce, só que trouxe o ônus da ilusão do “não sinto”. O grande problema é que ela convive lado a lado com a Jovenzinha – aquela mesma que deixou de viver a juventude para ser mãe. Uma parte que gosta do deboche, com uma língua ferina (o que faço com essa menina?, dizia os pais); ela é a típica mimadinha que curte ir à baladas. Ixi! O que dá a mistura de “não sinto” com balada? Sim, isso mesmo que você está pensando: confusão. Algumas bebedeiras vergonhosas e incontáveis episódios desastrosos de romance. Afinal, qual coração entenderia uma pessoa assim?! O tadinho sofreu bastante. Cheguei até a pensar em começar uma pesquisa sobre o número de desilusões amorosas por pessoa. Qual será a média do mundo todo? Será que existem teses de mestrado, doutorado? Resolvi deixar para lá. A realidade já estava difícil de engolir.
O curioso é que sempre enxerguei o amor como um menino travesso, tão escorregadio quanto encantador. Quem disse que dava para controlá-lo? O danado vivia escapulindo. Tá bem! Assumo que estou querendo justificar a minha inaptidão para o amor romântico. Sou ré confessa. Só que antes de ser sentenciada peço a palavra para uma última apelação:
– Eu confesso minha falta de habilidade para o romance. Assumo a culpa, mas juro que não quis magoar ninguém de forma proposital.
Concedida a palavra; o juiz anuncia recesso de alguns meses (ou seriam anos?). De volta ao tribunal da consciência, aguardo apreensiva a sentença. Vossa excelência inicia a cerimônia:
– Diante de todos os presentes comunico que a ré foi absolvida por falta de provas.
Uhuuu! A justiça foi feita. Adeus, mea culpa. Encerrado este assunto. Continuemos na dissecação das partes que me pertencem.
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Com vocês: a Renegada. Ela também dá um trabalhão! Colocou na cabeça que não merece ser bem-sucedida. Só com terapia para conseguir ajudá-la. Vive se autossabotando. Recentemente, descobriu que isso tem um nome: síndrome de impostor. E daí?
– Calma, né, gente! Um passo de cada vez.
Pior que a danada é batalhadora! Está sempre estudando um novo projeto, correndo atrás de um trabalho. Nunca desiste. Alguns diriam que é uma autêntica brasileira (juro que não estava me referindo àquela propaganda com o jogador Ronaldo. Deus me livre!). Prefere dizer que é uma eterna otimista. Ela nunca perde essa mania de acreditar que tudo vai dar certo. No final, ainda, arremata com algo assim:
– Tudo acontece no seu tempo.
Ah! Tá achando que este trio é dureza? Isso porque não conheceu a Melindrosa. Posso dizer essa parte é a cereja do bolo. Quando tudo parece caótico, lá vem ela com seus mimimis. Seu apelido deveria ser drama mexicano. Gosta de receber atenção na hora que deseja. Se é repreendida ou criticada… pode preparar os ouvidos que a ladainha vai começar.
– Quem disse que sou assim? E você? Não sou nada disso! Precisa falar desse jeito!? Blá blá blá
Haja paciência para aguentá-la! Ela é um misto de sensibilidade extrema com galo de briga. Oi? Como é isso? Tradução: emociona-se com a mesma facilidade que adora uma discussão. Eita, bichinha brava! Porém, tem um jeitinho especial de gostar de ajudar os outros. Ela faz isso com tanta naturalidade. É tão doce e encantador!
Sabe o que é mais bizarro? Todas essas “pessoas” são partes de mim. São partes que alimentei por um longo tempo e que ajudaram a construir a minha história. Sim, sei que preciso reconhecê-las. Agradeço a cada uma. Porém, vou deixá-las quietinhas (Shh!). Agora é olhar para frente. Deixar vir minhas outras partes alinhadas com a Mulher, Mãe, Filha responsável e profissional em ascensão. Os desafios são grandes (que sejam), mas anseio pelas minhas outras partes e assim vai ser!
– Olá! Sejam bem-vindas, minhas outras partes. Estava mesmo esperando por vocês.
*Dedico este texto à imortal Clarice Lispector, cujo legado artístico está eternizado nas páginas da Literatura Brasileira, e que sigo fiel a sua definição como escritora “sou uma sentidora”.