Conto 1: Clara e João
De forma espontânea. Os olhos podem transparecer cumplicidade, compaixão, felicidade, admiração, timidez. Ou paixão, tesão, raiva, ira, sordidez, frieza. Os olhos atraem. Conectam pessoas. Fisgam os olhares alheios. Eles são as janelas da alma.
BRASIL. CIDADE DO RIO DE JANEIRO. ATUALIDADE.
Clara, 19 anos, estudante de Serviço Social, engajada, idealista, agitada, divertida, afetuosa. Curte ir a um barzinho. Ama ficar com sua galera. Dia após dia, Clara acorda, arruma o cabelo, apanha uma fruta de lanche, despede-se da mãe, encara o ônibus cheio para chegar à faculdade, assiste às aulas, volta para casa, prepara o jantar com a mãe, comem e papeiam sobre como foi o dia.
João, 22 anos, estudante do último ano de Tecnologia da Informação. Extrovertido, tranquilo, meio preguiçoso para estudar, mas com grande senso de dever. Quando não está maratonando séries, está com os amigos. Todos os dias, João acorda, sai atrasado de casa, acompanha as aulas, segue direto à loja da família, ajuda os pais, vai para casa, estuda, janta e assiste um pouco de TV.
Ambos estudam na mesma Universidade. Não se conhecem. Nunca se viram. Pode ser que tenham se esbarrado no ônibus ou mesmo dentro do campus. Nem eles sabem. Correria. Agitação da cidade. Trânsito. Aglomeração. Encontros e desencontros.
Já no final da faculdade, João mal vê a hora de ter o canudo na mão. Quer logo conseguir um bom emprego. Com o estágio concluído, agora só falta a monografia. Só? Até parece. “Pô, bagulho chato!”, desabafou pros amigos dia desses. Seguir as tais das normas ABNT (o que é isso?), escolher um bom tema, conversar com orientador e escrever um trabalho com mais de 60 páginas. Passava os dias e os finais de semana mergulhado nos livros. Andava tão estressado. Precisava relaxar. Fazer algo totalmente diferente. Então, teve a ideia de participar de grupos de estudo com alunos de outros cursos. Fez a inscrição. Uma semana depois estava lá discutindo sobre desigualdade social com uma turma de Serviço Social. Uma das alunas era Clara. Com seu jeito despachado, era a mais entusiasmada. Ele gostava disso. “A Clara parece bem legal”, pensava. Até que num dos encontros, no calor de uma discussão sobre programas sociais, o sangue começou a ferver entre os colegas; João só observava a cena, espiou o celular por diversas vezes, lembrou que precisava ajudar o pai nas contas da loja, foi então que percebeu os ânimos exaltados avançarem para o terreno das ofensas pessoais. “Acho melhor intervir antes que fique ainda pior”, refletiu.
– Ei, galera! Vamos manter a calma. Cada um tem a sua opinião. Vamos respeitar a diversidade de ideias.
Não é que o pedido de paz surtiu efeito?! Aos poucos, os ânimos foram se acalmando e os diálogos voltaram ao tom usual. Inesperadamente, João fixa seu olhar em Clara e diz “Assim é bem melhor. Quando todos ficam calmos e tranquilos. Não acha?”. Clara retribui o olhar. Seus olhos grudam nos de João. Uma força magnética atraía o olhar um do outro. Com a respiração alterada, uma febre interna, ela responde quase em sussurro “É verdade. Assim é bem melhor.” Ambos sorriem um pro outro. Eles simplesmente sentem…