Sabe quando a hype e a propaganda de um livro é grande demais, você cria milhões de expectativas e ele é bem diferente do que você estava esperando? Pois é! Isso aconteceu comigo ao ler Loney, de Andrew Michael Hurley. Mas não pense que eu me frustrei ao ler a obra. Muito pelo contrário: me surpreendi!
Para começar, é preciso entender que Loney não é um livro assustador como muitos podem estar esperando. Loney é muito mais completo! A obra é um drama sombrio que não vai te assustar, mas vai gerar um desconforto crescente a cada página. Assim como O Demonologista, de Andrew Pyper, este livro passa longe do terror tradicional, e se aproxima de uma reflexão sobre a fé, religião e os mitos que assolam a sociedade. A narrativa é um pouco mais lenta e bastante descritiva, me lembrando O Oceano no Fim do Caminho, do incrível Neil Gaiman.
A história de Loney se passa na década de 70, quando a Sra. Smith, Tonto (apelido do filho mais novo), seu irmão e alguns membros da comunidade resolvem passar alguns dias na costa da Inglaterra, região de um antigo santuário. A mãe, uma religiosa fervorosa e obcecada pelos rituais católicos, acredita que o lugar poderá curar os problemas de Hanny, mas não acredita que o novo padre da cidade seja a pessoa adequada para cuidar do problema. Quarenta anos depois, os restos mortais de uma criança são encontrados na região e Tonto é obrigado a retornar ao local e enfrentar as lembranças do acontecido.
“Era impossível conhecer de verdade o Loney. O lugar mudava a cada afluxo e recuo das águas, e as marés revelavam os esqueletos daqueles que pensaram que poderiam escapar das suas traiçoeiras correntes. Ninguém jamais chegava perto da água. Isto é, ninguém exceto nós”.
Com um núcleo de personagens pequeno, o autor poderia ter explorado muito mais as motivações de cada personagem e desenvolve-los ao longo da trama, assim como fez com a mãe e Smith. Narrado em primeira pessoa, as lembranças de Tonto são o fio condutor da narrativa, relembrando os detalhes do que aconteceu em Loney quando sua mãe arrastou a família numa espécie de peregrinação de Páscoa para encontrar a cura para o filho mais velho, um garoto mudo e com uma espécie de autismo.
“Ela estava convencida de que lá – e somente lá – Hanny teria alguma chance de ser curado”
Ao chegarem na região, a família e os membros da comunidade se instalam em Moorings, uma casa com muitos segredos, clima hostil e vizinhos um tanto ameaçadores. E é nesta casa que tentam resgatar toda a espiritualidade da missão, deixando o ambiente “propício para o milagre”.
“Suas paredes jamais haviam contido uma família. Ninguém nunca havia dado risada lá. A casa era dominada por uma espécie de asfixia, um silencio pesado, que imediatamente lhe dava um ar desconfortável. Nunca mais senti isso em nenhum outro lugar, mas sem dúvida lá havia algo que detectei com uma percepção diferente. Não um fantasma ou algo ridículo do tipo, mas, ainda assim, alguma coisa”.
Enquanto a mãe cria atrito com o novo padre por conta da mudança de comportamento entre os membros da paróquia, o sentimento de ameaça constante não para de aumentar, algo muito bonito acontece: o cuidado, o sentimento de proteção e a intimidade criada pelos irmãos em um momento tão delicado como esse acabam se destacando. O protagonista confia muito mais no irmão mais novo do que na própria mãe, que é obcecada pela cura do filho.
Mais do que um simples terror, Loney é um belo drama sobre duas crianças em crescimento, perdendo a inocência e amadurecendo entre tantos conflitos que a religião e a obsessão podem gerar.
Mesmo com uma ambientação incrível e uma atmosfera que te deixa curioso, Andrew Michael Hurley apostou em um suspense em algo que não se compreende, mas se sente. E é exatamente essa abordagem que acaba decepcionando quem busca por soluções práticas e um final ‘na lata’. O livro tem uma proposta um pouco mais devagar, descritiva e com muitas cenas de monólogos religiosos. A obra é cheia de ambiguidades que fazem o público refletir sobre a sua fé.
Sobre o autor:
Andrew Michael Hurley é autor de duas coletâneas de contos publicadas no Reino Unido e Loney é seu primeiro romance. Lançado originalmente em edição limitada – apenas trezentos exemplares -, o livro rompeu as fronteiras do mercado independente, recebeu resenhas elogiosas de todos os principais veículos de imprensa, conquistou o grande público e arrebatou o júri do prestigioso Costa Book Awards, rendendo a Andrew Michael Hurley o prêmio de melhor autor estreante de 2015. O autor mora em Lancashire, Inglaterra, onde leciona literatura inglesa e escrita criativa.
Ficha Técnica
Título | Loney
Autor |Andrew Michael Hurley
Editora | Intrínseca
Idioma | Português
ISBN | 978-85-8057-937-6
Especificações | 304 – capa dura