Você conhece alguém que acorda todo dia às 7 horas da manhã, pula da cama rapidamente e corre para tomar escovar os dentes, dispensar uns inquilinos, tomar um banho e sair de casa sem tomar nem um cafézinho?
Eu conheço várias pessoas assim. Poxa. Eu era essa pessoa. Até parar no hospital com a pressão batendo 20×16 e os médicos preocupados com o risco de um acidente vascular cerebral. AVC, para os íntimos. Ou para quem não gosta de usar o nome das coisas.
Imagine eu encontrando um amigo e mostrando esse medo:
“Ah, Tullio, você foi parar no hospital, cara? O que aconteceu?”
“Pois é… eu tive um “aquele que não deve ser nomeado.”
“Nossa… e é grave?”
Não tenho paciência.
Meus dias agora são dedicados ao paisagismo. Pela janela do meu apartamento observo o galinheiro do vizinho. São 42, na última vez que contei. Vejo o casal de vizinhos idosos tomando café em sua cozinha. Às vezes, tenho até a sorte de ver o casal maromba iniciar seus exercícios coletivos na horizontal mais cedo.
Tomo meu café da manhã em paz. Como meu pão com requeijão, queijo, capuccino e às vezes uma maçã para ser saudável. Não te contei: sou intolerante a lactose, mas sou destemido. Afinal, alguma vantagem deveria ter por escolher trabalhar de casa. Posso viver perigosamente.
Dou uma volta no quarteirão com a minha cachorra. Exceto nos dias mais quentes. Nesse caso, ficamos os dois deitados pelo chão organizando a agenda do dia. E então, trabalho. Escrevo sem parar. Por horas.
Minha esposa é funcionária pública e trabalha fora o dia todo. Na prefeitura não existe vida fácil para os intolerantes à lactose. Às vezes, ela chega e eu ainda estou trabalhando. Tem dia que ela entende. Outros dias, ela só me pergunta porque não podemos ser felizes como o casal maromba do prédio em frente. Eu a beijo, digo o quanto a amo e falo que alguém precisa trabalhar de verdade nessa casa.
Após horas pensando em marketing digital e fazendo as pessoas enriquecerem, interrompo o trabalho para me alimentar novamente. Converso com minha esposa, pergunto do seu dia e ela me conta de todas aquelas pessoas que acordam todo dia às 7h da manhã, chegam no trabalho já cansadas e fedidas. E com fome.
Assistimos a um filme, pois as séries são coisas de gente solteira e que não exige compromisso de dedicar tempo demais a alguma coisa. Quando estamos animados, discutimos sobre ver a versão estendida de O Retorno do Rei ou O Irlandês. A cachorra lambe meu pé.
Vou dormir e sonho com a época em que precisava acordar cedo todos os dias. É um pesadelo recorrente. Queria sonhar com ganhar na Lotofácil. Isso sim. Mas meu coração é fraco e eu não aguentaria tanta emoção. Imagina. Ser rico e o coração explodir por causa disso? Quer dizer, ser rico e sofrer um IAM? Não tem nada mais brasileiro que isso. Melhor acordar mais um dia, pobre, e contar as galinhas do vizinho. São 41 agora.