QUE RAIOS DE TRADUÇÃO É ESSA? Eu sempre tento compreender a linguística, o contexto histórico utilizado na tradução de títulos de filmes, mas essa aqui foi demais. “Dr. Strangelove” já é um título que nada diz sobre o filme, então “Dr. Fantástico” é o mesmo que trocar seis por meia dúzia. Agora não adianta mais, já foi. Mas está aqui registrada a minha indignação.
Stanley Kubrick não é objeto de estudo cinematográfico à toa. Foi um diretor que, apesar de traços marcantes em suas obras, diversificou tanto sua carreira – passeou por épicos históricos, filmes de terror, dramas, comédias, ficções científicas -, modernizou o cinema e que é referência dentre os maiores diretores da atualidade. Quem mais teria a cara dura de fazer um filme que zomba das guerras em período de guerra e, ainda por cima, após a morte de JFK?
“Dr. Fantástico” é um negócio de outro mundo. Nunca vi história igual e poucas comédias me fizeram rir da maneira que ri. Nem a história do livro “Red Alert“, de Peter George (também roteirista) que inspirou o filme é igual, já que é um enredo dramático enquanto a adaptação é uma comédia. Um general do exército americano dá ordens para um bombardeio nuclear na Rússia. Alto Comando americano, políticos e o próprio presidente tentam loucamente reverter o processo. Estamos falando aqui daquela época em que os EUA diziam aos quatro ventos que os Comunistas queriam destruir a América e infiltrar o governo; da época de ódio entre Vermelhos (comunistas) e Brancos (capitalistas). Seria trágico se não fosse cômico, e como é – e muito! -, eu não pude me segurar e gargalhei alto durante o filme inteiro.
Muito se deve à atuação ABSURDAMENTE MARAVILHOSA e icônica de Peter Sellers. Eu já sabia quem ele era porque vi “Muito Além dos Jardins”, mas ele é mais conhecido por fazer o Inspetor Jacques Clouseau nas versões antigas de Pantera Cor-de-Rosa. Dar a vida a três personagens de uma vez, completamente diferentes em personalidade e características, não é fácil. Só Sellers tinha o calibre para fazer isso, tamanho o seu talento para a comédia, e ele faz aqui algo incrível, uma coisa que hoje em dia ator nenhum faz porque ninguém consegue. Os atores coadjuvantes são excelentes e dão ótimas performances. É um filme que tem um leque de personagens muito grande e se o elenco não fosse altamente qualificado, não tornaria esta obra um clássico. Atenção para George C. Scott (General Turgidson) e Slim Pickens (Major King Kong), dois ladrões de cenas. É também o primeiro filme de James Earl Jones, ator fantástico e de voz potente que dubla Darth Vader em “Guerra nas Estrelas“ e Mufasa em “O Rei Leão”.
Filmado em preto e branco, dá gosto de ver o uso da técnica. A fotografia é linda – marca registrada do diretor -, feita de ângulos cheios de interpretações extensivas que dão o tom sombrio necessário a uma história que pode ser engraçada mas, que se analisada com atenção, é bem apavorante. Os efeitos especiais são obsoletos comparados aos dias atuais, mas e daí? Naquela época, era tudo de última ponta. E a direção de arte é formidável. Kubrick leu cinquenta livros para embasar o roteiro, além de reunir uma equipe que conseguiu coletar informações sobre a bomba B-52 (que era uma inovação na época) ilegalmente. Peter George também entrou para ajudar e Terry Southern foi convocado para tornar a história uma comédia. O roteiro, aliás, é cheio de frases memoráveis e inteligentíssimas. Quando o presidente diz: “Cavalheiros, vocês não podem brigar aqui! Este é a Sala de Guerra!”, entende-se o filme numa casquinha de noz. A história é um recorte do absurdo, dos ideais sem sentido, das ideias mirabolantes, do poder da burocracia das palavras. “O que é a guerra? Por que a guerra? Por que este ou aquele país? Alguém tem noção do que faz uma bomba nuclear?” são algumas das várias perguntas que nos levam a parar para refletir.
Certamente vivenciei umas das melhores experiências cinéfilas que já tive. Não ria tanto há um bom tempo. É sem dúvida um clássico atemporal, que todos nós deveríamos assistir. Espero que vocês leiam esse texto e corram para ver o sentido real da palavra originalidade. Eu espero, sinceramente, que vocês sintam o “Estranho Amor” que senti ao fim dos créditos.
Título original: Dr. Strangelove or: How I Learned To Stop Worrying and Love the Bomb
Direção: Stanley Kubrick
Produção: Stanley Kubrick
Victor Lyndon
Leon Minoff
Roteiro: Stanley Kubrick
Terry Southern
Peter George
Elenco: Peter Sellers
George C. Scott
Sterling Hayden
Keenan Wynn
Slim Pickens
Peter Bull
James Earl Jones
Tracy Reed
Lançamento: 1964
Nota: