O LANÇAMENTO DE MILLENNIUM – OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES VEIO ACOMPANHADO DE MUITA DESCONFIANÇA DE PARTE DO PÚBLICO. O motivo é que em 2009 foi lançada a versão sueca da obra literária de Stieg Larsson e a produção ganhou status cult e transformou Noomi Rapace em celebridade mundial. Em tempos onde Hollywood costuma refilmar várias produções apenas por conta da notória preguiça dos norte-americanos em ler legendas, ninguém arriscaria apostar que a nova versão conseguiria agradar ao público. A surpresa é que David Fincher conseguiu não apenas fazer um bom filme, como superou muito o longa-metragem anterior.
Antes de mais nada é preciso explicar que Fincher não fez um remake do filme sueco. Ambas produções foram inspiradas no mesmo livro e geraram produtos bem distintos. Mesmo exemplo do caso recente de Deixe Ela Entrar, de Tomas Alfredson, e Deixe-me Entrar, de Matt Reeves. Por coincidência ou não, a adaptação norte-americana também supera a sueca, embora sem o mesmo apuro artístico e poético que Alfredson utilizou para descrever a trama e seus personagens. Fincher e o roteirista Steve Zaillian (O Homem Que Mudou o Jogo e Gangues de Nova York) fizeram um trabalho incrível para selecionar o melhor do best-seller e tudo ficou ainda mais forte com a química entre a dupla Daniel Craig (A Casa dos Sonhos) e Rooney Mara.
Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres conta a história do jornalista Mikael Blomkvist (Craig), que após ser condenado por uma matéria publicada em sua revista é convidado para conhecer o milionário patriarca da família Vanger. Na mansão do ricaço, ele descobre que está prestes a ser contratado para investigar o desaparecimento de Harriet Vanger, há 40 anos e que até hoje não foi resolvido. Paralelamente, a violenta hacker Lisbeth Salander (Mara) é obrigada a lidar com seu novo e abusivo tutor, até que seu caminho se cruza com o de Mikael.
Enquanto o filme sueco era conduzido lentamente e dependia quase que exclusivamente da performance de Rapace, a versão de Fincher não depende das atuações para se sustentar. O estilo de Fincher acaba deixando de explorar muitos detalhes, é tudo realmente muito rápido, mas o que pode ser considerado como um defeito para algumas pessoas, é um ponto que acaba não importando quando se tem uma história envolvente e que os detalhes estão todos lá, exceto que não ficam mastigados. A estrutura narrativa da trama só faz os dois personagens se encontrarem na metade do filme e tudo acontece uma forma natural e extremamente bem construída. A velocidade das informações não impede o público de acompanhar as evoluções e mudanças sutis que acontecem na vida de Lisbeth (Mara) e Mikael (Craig).
Lisbeth é um detalhe a parte em Millenium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres. Quem assiste ao filme consegue perceber que ela passou por maus bocados e que é uma jovem agressiva e que mesmo com toda a selvageria apresentada no seu visual, é incapaz de apagar sua doçura e até mesmo, um vestígio de infantilidade. A personagem aparece comendo um Mc Lanche Feliz por mais de uma vez ao longo do filme. Porém, todos os detalhes sobre Lisbeth seriam descartáveis se não fosse o tamanho empenho de sua intérprete. Rooney Mara, de protagonista do remake de A Hora do Pesadelo e namoradinha de Jesse Eisenberg em A Rede Social para uma atuação surpreendente e que chega até mesmo a superar Noomi Rapace, que já havia arrancado elogios rasgados da crítica. Talvez parte do sucesso seja pelo espírito detalhista de Fincher e sua equipe, que chegaram até mesmo a criar uma merkin (peruca íntima) especial para a personagem. O “detalhe” fica na tela por poucos segundos, mas serviu como uma demonstração de que Lisbeth é bem mais interessante do que mostram o seu piercing no mamilo, seu cabelo moicado, suas tatuagens ou sua expressão enigmática.
O elenco de apoio, liderado pelo veterano Christopher Plummer e por Stellan Skarsgard, não decepciona e cada um é explorado da melhor forma possível pelo filme, embora a conclusão da investigação e a revelação do assassino fique um pouco rápida demais, talvez por conta do estilo de filmar de Fincher e da presença marcante da música de Trent Reznor e Atticus Ross. A trilha sonora acaba tendo um papel fundamental em momentos de tensão, se tornando quase como um personagem também. Logo na introdução da adaptação, o público é presenteado com uma bela sequência de imagens ao som da versão de “Immigrant Song“, originalmente gravada pelo Led Zeppelin. Reznor convidou Karen O, vocalista da banda Yeah Yeah Yeahs para participar da gravação e, assim como o restante do belo trabalho da trilha sonora, foi bem impactante e eficaz para colocar o espectador no clima do filme. Aliás, prestem atenção no detalhe de um personagem que surge com a camisa do Nine Inch Nails, antiga banda de Reznor.
Os Homens Que Não Amavam as Mulheres já é um dos filmes obrigatórios da eficiente carreira de Fincher, que só decepcionou quando tentou dirigir Brad Pitt e Cate Blanchett na adaptação do conto O Curioso Caso de Benjamin Button. Depois de tantos thrillers de sucesso, ficou claro que fazer chorar não é uma das emoções que fazem parte do leque de qualidades das obras do cineasta. E prestem muita atenção no trabalho de Rooney Mara. Ela ainda dará muito o que falar.
Título original: Girl With the Dragon Tattoo
Direção: David Fincher
Roteiro: Steve Zaillian
Elenco: Rooney Mara
Daniel Craig
Christopher Plummer
Stellan Skarsgard
Nota: