REVIEW EMILIA PEREZ

Review Emilia Perez: A produção mais polêmica (e divertida) da temporada

O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Emilia Perez possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.

POSTER EMILIA PEREZEMILIA PEREZ CONSEGUIU DUAS PROEZAS. Primeiro foram as suas 13 indicações ao Oscar. Nunca um filme estrangeiro conseguiu tanto reconhecimento em uma premiação da Academia. A segunda proeza é ainda mais impressionante. Em questão de dias, após uma série de declarações infelizes de sua protagonista, Emilia Perez perdeu todo seu favoritismo e realizou a pior campanha dos últimos tempos de um longa-metragem. A Netpix (isso mesmo) deve estar orgulhosa. Só que não.

O público brasileiro talvez seja o grande responsável pelo desastre. Afinal, tomados por clima de final de Copa do Mundo, eles elegeram Emilia Perez como “o inimigo” capaz de tirar o tão sonhado Oscar de Ainda Estou Aqui. Polêmicas a parte, vamos deixar o calor do momento de lado e falar apenas dos méritos e defeitos do longa dirigido pelo francês Jacques Audiard. 

Emilia Perez está a anos luz de distância de ser realmente um filme ruim. Isso não significa de jeito nenhum que mereça suas 13 indicações. O mérito aqui é todo da Netflix e seu PIX milionário. É uma trama progressista sobre um narcotraficante mexicano que deseja fazer uma operação para se tornar uma pessoa mais feliz com o corpo de uma mulher. Porém, sabe como é, quando se fala de um tema delicado, as pessoas tendem a reclamar muito (o que é um direito, claro).

Existem acusações de que o filme incentiva as cirurgias plásticas como necessárias para a pessoa trans ficar com a aparência mais próxima do gênero com que se identifica. Pode até ser. Mas também existe um discurso muito repetido nas redes sociais de que as pessoas não devem opinar no corpo/decisões das outras. Mesmo quando as cirurgias são motivadas pela necessidade de ficar “atraente” segundo os padrões de beleza. Gosto muito da ideia de pegar um criminoso mexicano temido e mostrar a sua essência. Isso subverte todo o clichê de vilão que estamos acostumados. 

Aliás, falando em clichê, também vi reclamações sobre a forma como o povo mexicano é retratado. Acho que devo ter assistido a outro filme. Emilia Perez é uma novela trágica sobre um cara em busca de redenção. Durante sua jornada, ele faz o que é necessário e mostra sim as atrocidades dos sicários. É esquisito ler coisas como “desrespeitou o México”. O cinema não tem obrigação nenhuma em resolver uma crise humanitária real. O que ele pode fazer é trazer consciência, o que inevitavelmente vai desagradar muitas pessoas. O ponto aqui é: a arte precisa mesmo cumprir um papel social acima da sua proposta narrativa? Será mesmo?

Um grande mérito de Emilia Perez é ser um filme que se passa no México e é falado em espanhol. Ou algo próximo disso. No entanto, isso se tornou um problemão. A internet caiu matando em cima de Selena Gomez e seu dialeto peculiar. Se faz em inglês, reclamam. Se faz em outro idioma, reclamam também. É difícil agradar as audiências. Especialmente motivadas pelo reconhecimento exagerado da obra na temporada de premiações. 

Karla Sofía Gascón até pode ter ficado balançada pelo assédio agressivo e desproporcional dos brasileiros. Quem não ficaria, não é verdade? Pode ter falado merda no passado e sei lá, votado no Bolsonaro. Não importa. Se Emilia Perez funciona como entretenimento é por sua causa. Abraçando toda a cafonice novelesca de uma história brega, é a atriz que faz a diferença. Zoe Saldana está ótima, não me entenda mal, mas a transformação de Gascón nos minutos finais de Emilia Perez é de arrepiar. 

Emilia se deixa levar pelo ciúme, posse e ressentimento. O que para muitos pode significar que ela não aprendeu nada durante a sua jornada, também deixa claro que ninguém é capaz de mudar totalmente. Querer fazer o certo para se redimir não é a mesma coisa de se tornar uma pessoa diferente, ainda que esse seja literalmente o caso aqui.

Emilia Perez é um longa-metragem que sofre mais pelo seu reconhecimento e cofres milionários por trás de sua campanha de marketing, do que pelos seus problemas. Não fossem suas indicações, certamente seria apenas mais um na lista dos 10 principais filmes do ano. Mas o que estamos presenciando é uma onda acalorada (e por vezes injusta, já que a maioria sequer viu a obra ainda) de opiniões tentando convencer outras pessoas de que se trata de uma obra vazia. Na realidade, é provavelmente o longa mais divertido do Oscar.