final explicado a substância

Review: A Substância é desconfortável, brutal e magnífico

Uma das definições de “terror” no dicionário é “O que amedronta ou aterroriza”. Embora A Substância, segundo longa-metragem da cineasta francesa Coralie Fargeat, seja um body horror, suas cenas mais chocantes e nojentas não são o que há de mais assustador, e sim, a demonstração do tratamento dado às mulheres. O filme trata do “prazo de validade” das mulheres estipulado no universo do entretenimento, porém serve para todas as outras áreas, profissionais ou não.

 

É muito particular a maneira como cada um escolhe a sua maneira de criticar o que lhe incomoda. Fargeat já havia mostrado a sua revolta contra o machismo e a objetificação do corpo feminino em seu primeiro longa-metragem, Vingança (Revenge, 2017). Mas com A Substância (The Substance), filme em cartaz nos cinemas brasileiros, ela constrói uma narrativa mais consistente mostrando sem o menor pudor as consequências de uma cultura que descarta mulheres diariamente.

Os primeiros minutos do filme são conduzidos de maneira genial. Vemos, a partir da inserção de uma estrela na Calçada da Fama, a ascensão e queda de uma artista. O nome escrito nessa estrela é o de Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz premiada e, com o passar do tempo, esquecida, apesar de ativa. Depois de anos à frente de um programa de ginástica, ela descobre que a emissora comandada por Harvey (Dennis Quaid), um produtor sem escrúpulos, vai substituí-la por alguém mais jovem.

Elisabeth é linda e adora apresentar o programa, porém cometeu o maior pecado que uma mulher pode cometer: envelhecer. Ainda que faça parte do que podemos considerar um padrão de beleza, o julgamento da sociedade é implacável, como podemos perceber na postura de Harvey. 

Com a demissão, o mundo de Elisabeth acaba. Ela vive para o trabalho e ser querida, admirada e bajulada pelas pessoas é  o que há de mais importante para a artista. Ela se vê diante da oportunidade de desfrutar novamente da sua juventude. É então que conhecemos Sue (Margaret Qualley, da minissérie Maid), supostamente, a melhor versão de Elisabeth. Também linda, magra e talentosa, porém jovem e com a arrogância, o egoísmo e o imediatismo que a juventude carrega. 

Sue sempre quer mais. Ela quer atenção, quer ser amada e desejada, desfrutar de bons momentos e ter a oportunidade de ser validada pelo próximo, entretanto, esquece que um dos avisos mais importantes em relação à substância é que não existe “eu e ela”, afinal, as duas são uma única pessoa.

A partir disso, uma série de eventos mostra o desprezo da própria Elisabeth por si mesma, enquanto Sue quer tudo o que o mundo e a juventude podem oferecer. Elisabeth não sabe apreciar a vida enquanto mulher esquecida pela indústria hollywoodiana. Aos poucos, a gente percebe que todo o desdém da indústria e da sociedade pela “velhice” de Elisabeth também habita os pensamentos da própria artista. O espectador, no primeiro momento, pode até questionar as atitudes de Elisabeth e se perguntar por que ela é tão dura consigo mesma, mas eu sugiro que pare e pense por um instante, como não ser? A própria Demi Moore teve a sua beleza exaltada desde jovem e, com isso, vem a cobrança por estar sempre bonita, magra e aparentar menos idade do que tem.

É isso o que a misoginia faz diariamente com todas as mulheres. As coloca em uma prateleira, como se fossem um produto com prazo de validade. É compreensível a frustração de Elisabeth, assim como a repulsa que sente por si mesma. Todos os dias, a sociedade diz às mulheres que a sua utilidade ao mundo é limitada e que a afeição é condicional. 

Coralie Fargeat não gosta de meias-palavras. As coisas são como são e fica evidente que a sua intenção é tratar de um assunto desagradável, sem facilitar para o receptor de sua mensagem. Ainda que a gente compare com A Mosca (The Fly), filme de David Cronenberg lançado em 1986,  A Substância tem grande influência de Stanley Kubrick (1928-1999).

O que Demi Moore faz na tela é fantástico. Em sua primeira atuação em um filme de terror, ela se entrega e dá à Elisabeth toda a complexidade de uma mulher que, por mais que tente, não consegue enxergar a preciosidade da maturidade. Sua angústia está ligada diretamente à atenção que deixa de receber. É difícil imaginar outra atriz no papel, Moore é um exemplo de como a indústria cinematográfica trata suas artistas. Um dos grandes nomes do cinema norte-americano nas décadas de 1980 e 90 e estrela de filmes que tiveram grande repercussão, como Ghost: Do Outro Lado da Vida (1990), Proposta Indecente (1993) e Até o Limite da Honra (1997), passou a atuar em produções de baixo orçamento a partir dos anos 2000. Recentemente, fez parte da segunda temporada da série Feud, disponível no Disney Plus.

Ao lado de Moore, Margaret Qualley também está fantástica na tela e mostra segurança e confiança em seu trabalho. Curiosamente, ela é filha da também atriz Andie MacDowell, outra estrela que teve o auge da carreira nos anos 1990 com Feitiço do Tempo (1993), Quatro Casamentos e um Funeral (1994) e Sexo, Mentiras e Videotape (1989) e que, atualmente, aparece pouco.

A Substância chega aos cinemas brasileiros, com distribuição da Imagem Filmes e da MUBI, na mesma semana em que a atriz Tereza Seiblitz, que fez sucesso nas novelas Renascer (1993) e Explode Coração (1995-96), entre outras produções, declarou estar afastada da TV há quase dez anos por falta de convites. Seu próximo trabalho na TV será  Volta por Cima, novela da TV Globo da faixa das 19h, que tem estreia prevista para o próximo 30 de setembro. O longa de Coralie Fargeat é o cinema, em sua essência, mostrando o terror da vida real.