o assassino - michael fassbender

Review O Assassino: David Fincher mistura Smiths, vingança e um humor mórbido delicioso

O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de O Assassino possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação

poster o assassino PODEMOS DIZER QUE FINALMENTE RECEBEMOS O FILME MAIS ESPERADO DE DAVID FINCHER DESDE SEVEN? Em O Assassino (The Killer, 2023), disponível na Netflix, Fincher volta a trabalhar em um thriller cheio de suspense com o roteirista Andrew Kevin Walker pela primeira vez desde Seven. A nova parceria da dupla certamente atende às nossas expectativas, ainda que sejam obras um tanto diferentes entre si.

Seven tinha um clima muito pesado e angustiante. A chuva torrencial de boa parte da obra ajuda a deixar tudo desesperançoso, como se o mundo fosse um lugar horrível e os policiais fossem verdadeiros Dom Quixotes lutando contra um inimigo que já venceu. Já O Assassino é diferente. Posso até me arriscar dizendo que, apesar de ter como protagonista um vilão, é uma obra otimista, já que acompanhamos toda uma jornada de vingança do personagem sem nome de Michael Fassbender.

O Assassino começa com um longo voiceover (quando a narração não acontece na própria cena), com o protagonista esperando sua oportunidade de fazer mais uma vítima. Enquanto espera, os espectadores são acompanhados pelos pensamentos do vilão. Ao longo do seu discurso, ele conclui que não é especial. É apenas diferente. Impossível não lembrar do texto de Chuck Palahniuk adaptado para o cinema em 1999. Com certeza é algo que Tyler Durden diria em O Clube da Luta. Na sequência, criando um humor inesperado, o personagem liga seu player de música e coloca uma canção do Smiths para tocar.

Como é que pode um homem tão frio ouvir Smiths enquanto faz yoga esperando pela sua vítima? Essa contradição dá uma profundidade para o personagem, já que no final das contas, certo ou errado, ele é apenas um homem precisando ganhar a vida. Fincher humaniza o matador, mas em momento algum tenta convencer o público de que ele é uma pessoa boa. Não é. Em suas ações, constantemente repete um mantra de “não confiar nas pessoas”, “empatia é uma fraqueza”, e não demonstra a menor sombra de piedade com ninguém. Exceto por um cachorro.

Aliás, a frieza do matador chega a assustar. Em sequências em que ele parecia inclinado a perdoar e deixar certos personagens escaparem com vida, logo acontece alguma coisa para encerrar a história. Seja o jeito mais rápido de quebrar o pescoço de uma pessoa ou o tiro na testa mais oportuno da temporada.

Ao longo de sua filmografia, o mais perto que Fincher chegou de fazer uma comédia foi em A Rede Social (The Social Network, 2010) e o mais perto de um romance foi Garota Exemplar (Gone Girl, 2014) – e estou deliberadamente ignorando O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008) porque não gosto dele. Em O Assassino, o diretor se permite, à sua maneira, ser mais engraçado do que nunca com as situações que o protagonista passa. Não apenas pela trilha sonora do Smiths, mas pelas roupas de turista (“me disfarço de turista alemão porque ninguém quer conversar com um”), os nomes escolhidos em seus documentos falsos, a piada horrível que Tilda Swinton conta durante a sua breve participação e os imprevistos durante suas ações. Longe de ser uma comédia, o timing de humor é muito bem vindo para dar leveza na narrativa.

Mais que apenas um thriller de vingança, o filme é basicamente um belo estudo de personagem que arrasta o espectador para dentro das atitudes perversas que seu trabalho o obriga a ter. O roteiro não perde a oportunidade fazer as suas críticas, inclusive para o comportamento da sociedade, sempre muito ocupada com seus telefones e incapazes de notar o que acontece ao seu redor. Ver Michael Fassbender estrelando um filme depois de tanto tempo é um prazer tão imenso quanto seu talento. E aqui, não é exagero, talvez seja um dos seus melhores trabalhos/filmes.

O Assassino atende a sempre complicada expectativa dos seus fãs. Por mais que nunca tenha fugido do suspense na sua carreira, inclusive com outras obras com assassinos, a impressão é que Seven merecia um “irmão” para chamar de seu. Dadas as devidas proporções, eu acredito que Fincher tenha conseguido fazer isso e quem ganha é o espectador. Recomendo fortemente para todos os cinéfilos carentes por bons thrillers e dicas capazes de entrar na nossa lista de melhores filmes de suspense de 2023.