REVIEW: O HOMEM DE PALHA( 1970) É UM TERROR INOVADOR PARA A ÉPOCA

Já aviso: essa crítica possui spoiler

Confesso que, ao assistir a esse grande clássico do terror, minha curiosidade era ver como um filme influencia o outro e quais são as bases de referência de cada diretor.

“O Homem de Palha” (1973) é um uma obra  que brilhantemente explora a questão da religião em uma época em que as crenças religiosas estavam no centro das discussões culturais e sociais. A  película  é um exemplo notável de como o cinema pode questionar, desafiar e refletir sobre temas religiosos de maneira profunda e provocativa.

A premissa do filme é simples. Após o desaparecimento de uma jovem, o policial Nell (Edward Woodward) chega até a Ilha de Summersle, na Escócia, para buscar respostas sobre o desaparecimento da garota. Toda a narrativa se preocupa em levar o protagonista e o público a essa descoberta dos costumes e ritos. O mais interessante, ou não, é que tudo o que acontece em Summersle está na maioria ligado à questão sexual. O protagonista  fica julgando tudo o que vê e condenando cada ato, por não ser um lugar que é sua zona de conforto. O  desaparecimento da garotinha é apenas um pano de fundo para que o público embarque nessa jornada desconhecida na ilha. Todo esse estranhamento do protagonista, e o fato de ele ser cristão e estar sempre reforçando a sua fé, enriquece a obra por essa dicotomia de ritos pagãos.

Em uma cena específica, o protagonista vai dormir na cama do dono do bar, e a filha dele lhe mostra os seus aposentos. Durante a noite, ocorre uma catarse sexual, se é que podemos dizer assim, em que a mulher fica nua e faz movimentos próximos à parede. É visível que, mesmo sem vê-la, Nell fica extremamente constrangido e tentado a ceder à tentação de ter uma relação sexual com a mulher. No dia seguinte, a personagem em questão questiona que, no fundo, ele queria, sim, mas está muito apegado à sua religião. Gosto muito desse diálogo e da forma como o roteiro aborda isso.

A abordagem do longa à religião e à sexualidade oferece uma crítica atemporal sobre o poder e a influência das crenças religiosas na vida das pessoas. O protagonista, inicialmente um símbolo da fé, torna-se um espelho para o público, representando como as crenças podem ser desafiadas e transformadas por experiências e contextos culturais diferentes.

A trilha sonora é outro fator que chama a atenção, composta por Paul Giovanni e interpretada pela banda Magnet. Em cada tom da trilha, é possível sentir toda a questão mística e folclórica, adicionando boas doses de mistério.

Outro ponto em que o roteiro acerta é deixar o final em aberto. O protagonista se torna o sacrifício da seita  religiosa e, até o último momento, clama ao seu Senhor, enquanto a comunidade o entrega à morte na tentativa de garantir uma boa colheita. O  seu encerramento  é de  forma crua e sem dar muitos detalhes. Pensar que, naquela época, uma obra com um final tão enigmático e ambíguo é outra qualidade do roteiro.

Se na receita do terror básico, sempre tem algum cético, o contraste aqui é justamente colocar um cristão cético sob o olhar que pune e se assume completamente intolerante. Nesse ponto, o diretor Robin Hardy acerta por trazer à luz um assunto desconhecido e pouco falado na época.

“O Homem de Palha” sem dúvida é uma obra que merece estar em listas de terror. Podemos afirmar que a obra em questão foi responsável por criar tendência no cinema de terror com essa pegada mais folk e folclórica, abrindo caminho para novos diretores como Ari Aster, uma obra a frente do seu tempo, em plenos anos 70.