O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A review de Os Assassinos da Lua das Flores possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
VOCÊ, CINÉFILO RAIZ, QUE SABE MUITO BEM QUE O CINEMA NÃO FOI INVENTADO COM A MARVEL e que a primeira obra-prima de Martin Scorsese não foi lançada em 2007. Então, nesse momento, estamos em festa pela oportunidade de mais uma vez assistir a um filme de uma lenda viva do cinema, como é o caso de Scorsese. Em seu cartão de visitas na década, temos mais um trabalho excepcional, repetindo parcerias com Leonardo DiCaprio e Robert De Niro.
Com pouco mais de 3 horas de duração, Os Assassinos da Lua das Flores é um drama policial sobre a ganância e o genocídio dos povos nativos. Mesmo com um elenco de primeira linha, a atenção de Scorsese nunca balança: ele quer falar das injustiças históricas e dos crimes que causaram tanta dor para os Osages.
DiCaprio vive o protagonista Ernest e mostra uma faceta diferente no seu trabalho. Em praticamente todos os seus trabalhos anteriores, DiCaprio sempre aparecia com expressões intensas, gritando muito ou com muito ódio no coração. Ainda que existam esses momentos, é diferente. É um DiCaprio mais contido, maduro e consciente.
Contracenando com ele, temos Lilly Gladstone interpretando sua esposa Molly. Ouso dizer que a personagem é um tipo de reparação histórica para a ausência de personagens femininas fortes na filmografia de Scorsese. Pelo menos, é o mais perto disso, provavelmente desde Gangues de Nova York, com a personagem de Cameron Diaz, cujas ações tinham um pouquinho profundidade para não ficar apenas presa aos caminhos do protagonista. Molly é serena, consciente das injustiças e “coincidências”, e indignada ao ponto de tomar suas próprias iniciativas para solucionar os crimes. Uma atuação arrepiante.
Inclusive, já que citei Gangues de Nova York, talvez seja o longa-metragem mais próximo para descrever Os Assassinos da Lua das Flores. Durante a pré-produção, por coincidência, Robert De Niro estava envolvido no projeto para viver o vilão, que terminou com Daniel Day Lewis. Outra referência é que ambos filmes falam sobre o papel de um grupo de pessoas na formação da sociedade. Primeiro foram os imigrantes irlandeses e sua relação com a Nova York tão querida do cineasta. Agora, com os povos nativos e tudo que eles passaram e sofreram nas mãos do homem branco.
Ainda no elenco, Robert De Niro é o tio Hale, um homem de intenções ambíguas. Logo que é introduzido, em um “interrogatório” constrangedor com o sobrinho (DiCaprio) já criamos a impressão de que ele não é exatamente uma pessoa boa. Mas Scorsese não acelera o processo de construção e estabelecimento desse vilão, que se revela um oportunista disposto a qualquer coisa para lucrar o máximo possível. Jesse Plemons e Brendan Fraser, os outros nomes conhecidos de Os Assassinos da Lua das Flores, só aparecem a partir da etapa final da obra, mas o suficiente para criar personagens fortes. Fraser, aliás, está magnético como o advogado de Hale.
Scorsese nos leva para dentro da dinâmica da relação DiCaprio e Gladstone e cria perguntas em nossas mentes. Seria Os Assassinos da Lua das Flores também um drama sobre relacionamentos tóxicos? Afinal, ainda que apaixonado e um tanto cego no começo, Ernest logo entende as motivações do tio e se torna parte do seu esquema. É ele quem vai atrás de diversos bandidos dispostos a fazer o trabalho sujo, isso quando ele mesmo não resolvia. Existe uma dualidade muito forte dentro desse personagem, que não parece reconhecer o mal que está fazendo para o legado da sua esposa. Mesmo quando trata de envenenar Molly, Ernest parece realmente acreditar que está apenas “mantendo a esposa sob controle”. Essa ignorância do personagem nos leva a perguntar o quanto ele não foi também uma vítima do próprio tio.
A direção de fotografia do mexicano Rodrigo Prieto trabalha muito com a câmera no ombro para mostrar os diálogos entre os personagens. Existe apenas um momento em que Hale e Ernest não estão juntos nesses planos: na sequência em que o sobrinho é punido levando umas pauladas na bunda, a câmera foca em um cabisbaixo Ernest e só conseguimos ver os braços de Hale, como se estivesse colocando o “menino malcriado” na linha. Essa cumplicidade da dupla, registrada pelas lentes implacáveis da câmera, mostra que, de forma consciente ou não, Ernest não era tão diferente do tio assim.
Scorsese faz uma breve participação especial durante um inusitado trecho em que acompanhamos as gravações de um programa de rádio da época. A sua aparição, totalmente justa, é uma pequena auto homenagem que só mesmo um gênio poderia ser capaz de incluir sem gerar comentários maldosos.
Os Assassinos da Lua das Flores é um belo drama policial oportuno. Em um momento de genocídio do povo Palestino apoiado em escala mundial, Scorsese mostra um paralelo cruel para mostrar que, quando se trata de benefícios e lucro, as grandes potências são capazes de qualquer coisa. Com uma frieza ártica, o dinheiro é a única coisa capaz de preencher o coração daqueles que vivem com fome de mais e mais o tempo inteiro.
Recomendações de outras críticas de Os Assassinos da Lua das Flores:
- Review Assassinos da Lua das Flores – Scorsese mostra por que seu cinema se mantém relevante depois de seis décadas (Graciela Paciência, Cinema de Buteco)
- Crítica | Assassinos das Luas das Flores (Pablo Villaça)
- Scorsese acerta de novo com Os Assassinos da Lua das Flores (Marcelo Seabra, O Pipoqueiro)