Crítica: Esperando Bojangles (2022)

Todo diretor que se propõe a mostrar na tela o impacto de uma enfermidade na vida de um personagem precisa tratar do assunto com muita sensibilidade e leveza. Em alguns casos, a narrativa pode se tornar algo bonito e memorável, como Longe Dela (Away from Her, Sarah Poller, 2006 . Em outros, mesmo com atuações que conquistam público e crítica, o filme cai no esquecimento pouco tempo depois, como aconteceu com Para Sempre Alice (Still Alice, Richard Glatzer e Wash Westmoreland, 2014). O que vemos em Esperando Bojangles, de Régis Roinsard (A Datilógrafa), é a construção de uma relação de amor que não nasceu unicamente por causa da excentricidade do casal, mas que, ao mesmo tempo, não existiria se não fosse por este traço marcante da personalidade de ambos.

Na adaptação do livro homônimo do francês Olivier Bourdeaut, Georges (Romain Duris, de O Albergue Espanhol) conhece a espontânea Camille (Virginie Efira, de Benedetta) em uma festa, e a química entre os dois é instantânea. Camille é única, reativa e intensa. Deixa isso bem claro a Georges desde o início e suas particularidades deixam Georges ainda mais apaixonado. Ao som de Mr. Bojangles, de Nina Simone, eles mergulham em uma relação que não dá espaço para os desconfortos da vida, somente a festas, alegrias e despreocupação com o lado burocrático do dia a dia comum a todos. A dança é um elemento forte e presente na história. É através dessa arte que o casal exibe a sua sintonia e paixão. O filho pequeno dedica a ambos a admiração, inspiração e todo o amor que uma criança pode dar e receber.

Mas até onde isso pode ser saudável? O que parecia uma excentricidade passa a se mostrar como elemento preocupante da saúde mental de Camille. Fica claro, a partir disso, que quando uma pessoa apresenta sintomas de alguma condição que pode remeter à sua saúde mental, aos poucos, a responsabilidade sobre si mesma passa a recair nas pessoas mais próximas a ela. 

No caso de Camille, o marido se vê sem alternativa, a não ser tomar as rédeas da vida da esposa, o que tem consequências em seu comportamento e maneira de enxergar o mundo, mas em nenhum momento questiona o seu sentimento sobre a mulher que ama desde o momento em que se conheceram. O filho do casal, o pequeno Gary (Solan Machado Graner), tem a infância impactada pelas consequências da saúde mental de sua mãe e preocupações e prioridades de seu pai. Ele percebe a necessidade de uma maturidade que, normalmente, não cabe em crianças, mas é o que lhe resta. O jovem ator atinge o equilíbrio necessário para transmitir uma confusão de sentimentos, como a inocência de sua idade, o choque de realidade e a percepção de que nada voltará ao que era antes.

Conforme a história avança, o filme de Régis Roinsard, que começa com um tom de comédia bem forte em sua narrativa, ganha o peso do drama da família. Não deixa de ter a sua graça, pelo contrário, adquire um brilho ainda maior e se transforma em uma história com muito a oferecer, apesar da melancolia que cresce aos poucos.

Romain Duris e Virginie Efira brilham em seus papéis como um casal não só apaixonado, mas também que mostra muita cumplicidade e lealdade. Esperando Bojangles foi exibido durante o Festival Varilux e estreia dia 3 de novembro, através da Califórnia Filmes. O romance foi publicado no Brasil, em 2022, pela editora Audiência Contemporânea e com tradução de Rosa Freire Aguiar.