A ÚNICA APARIÇÃO DE UMA CABEÇA DECEPADA sobre o asfalto, seguida do grito desesperado de Annie (Toni Collette), garantiu a Hereditário (2018) um dos momentos mais impactantes do cinema de horror recente. Os poucos segundos de exibição fizeram com que a imagem acompanhasse o espectador, angustiado, até o final da projeção. Em Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, o diretor Ari Aster retoma algumas ideias de seu citado projeto anterior (entre elas, a exposição de crânios destroçados). Nesse filme, porém, o impacto da brevidade dá lugar aos exageros da exposição.
O interesse pela decadência das relações familiares permanece, desta vez vivido na pele de Dani (Florence Pugh). Preocupada com os pais e ignorada pela irmã, a protagonista ainda é uma quase estranha para a audiência, até perder cruelmente as três figuras com quem tinha laços sanguíneos. A câmera faz questão de enquadrá-la de forma próxima, claustrofóbica, para registrar o óbvio: ela está completamente sozinha – e a existência de seu namorado não altera nem sequer um acento dessa afirmação. No primeiro ato da narrativa, os enquadramentos fechados surgem mais vezes.
Neste período, concentram-se, inclusive, as principais (únicas?) virtudes da produção. Ao lado do visual claustrofóbico, o uso dos espelhos (quando vemos uma pessoa de frente e a outra apenas pelo seu reflexo) preserva um distanciamento severo entre as personagens, tornando frio e pouco acolhedor o universo que elas habitam. Um corte de transição exemplar entre o banheiro do apartamento e o do avião – a cena mais eficiente do filme – nos leva, com o choro de Dani pelo luto que a assombra, até a bizarra comunidade sueca onde Midsommar: O Mal Não Espera a Noite acontece.
O caminho do longa-metragem passa pelo estranhamento permanente do espaço. Desse ponto até a violência que se realiza, no entanto, há apenas espaços vazios. Tomado pela ambição de construir grandes cenas que arquem com a responsabilidade do choque, Aster se esquece completamente da necessidade de povoar a trama com conflitos envolventes. Nada do que acontece – e quase nada acontece – entre as potenciais vítimas desperta interesse. A velha, mas inesgotável fórmula de terror, na qual um grupo de personagens surge num contexto hostil e sem saída visível poderia ter sido, sem qualquer outra ambição, muito melhor aproveitada.
Para sustentar sua aposta numa fábula de redenção às avessas, a obra investe no bizarro pelo bizarro, na pura sujeição das personagens à crueldade misteriosa que, de uma forma ou de outra, as fará desaparecer. E à procura de chocar a todo custo, sob qualquer pretexto. Com isso, apenas as (cruéis) conclusões importam, por puro apelo visual. A cada tentativa de impressionar o público, Midsommar: O Mal Não Espera a Noite explora com exagero elementos que, em Hereditário, soavam orgânicos: a atmosfera de misticismo e, especialmente, a exposição visceral da morte. Seus excessos parecem nos preparar para uma grande catarse de horror que, embora não compensasse as ausências da trama, ao menos teria sido divertida. Nem isso acontece. Aí, também, o vazio impera.
Midsommar: O Mal Não Espera a Noite
EUA/Suécia/Hungria, 2019. De Ari Aster.
Veredicto: ★½