Um aperto no coração.
Era o que afogava seu peito enquanto olhava pela janela do ônibus embaçada pelo calor da aglomeração de pessoas.
Os vidros estavam fechados, pois chovia muito lá fora.
Se existe um lado bom das coisas, pelo menos eu estou sentado, pensei.
Ouvia uma música animada na tentativa de se alegrar e observava o entra-e-sai de pessoas nas lojas do centro da cidade.
Natal, Natal, Natal. Sempre assim. Comprar, comprar, comprar.
Crise? É, parece ter menos gente, mas mesmo com a chuva, as lojas estão cheias.
Alguém cutuca meu ombro, ignorando os fones de ouvido que deveriam funcionar como uma placa de “Não Perturbe”.
Educação é o mínimo, pensei enquanto tirava os fones.
Imediatamente como um desencanto que nos traz ao mundo real e nos tira dos nossos próprios devaneios, olhei para o homem que estava sentado ao meu lado.
E antes que pudesse falar qualquer coisa, o homem disse: “É complicado, né?”
E apontou para uma senhora que lutava em se segurar e não cair no ônibus lotado, enquanto um jovem de boné pendia sua cabeça ao lado, olhando pela janela tal como eu estava há alguns minutos.
Antes que pudesse responder, ele chamou a senhora e disse: “Sente-se aqui.”
Senti vergonha por não ter prestado atenção a esse tipo de situação antes, mas em seguida pensei:
“Isso não é problema meu.”
O homem então disse: “Vou ali desejar um feliz Natal a um amigo”. E se dirigiu ao garoto. Ele era moreno, pelo que eu conseguia ver, devia ter por volta de uns 18 anos e usava um boné.
O homem o cutucou, como havia feito comigo.
E num tom alto e ameaçador disse:
“Ô, seu moleque folgado! Levanta daí! Tem mais gente que precisa se sentar neste lugar! Você não está vendo a placa de prioridade?”
Senti uma pontada de orgulho, pois aquele homem estava ali, realizando um ato de bravura e coragem, defendendo os interesses de pessoas que ele sequer conhecia.
O pessoal do ônibus aplaudiu, e os gritos de “Folgado!”, “Sai daí!”, começaram a pipocar aqui e ali. O que inflamou o ânimo do homem, que a esta altura, era o herói do ônibus.
O jovem tranquilamente respondeu: “Eu não vou sair, porque…”
Ouviu-se o silencio no ônibus naquele momento.
Antes que o jovem terminasse a frase o homem agarrou o jovem pelo colarinho e disse, “Vai sair daí sim! Por bem ou por mal”, e o levantando empurrou-o de lado, sem perceber que o jovem usava apenas um Nike Shox e que suas muletas estavam encaixadas no vão entre o banco e a parede do ônibus.
Ao cair o jovem soltou um grito choroso.
Os gritos dos passageiros se calaram.
A viagem terminava ali.
A polícia foi chamada, todos os passageiros desceram.
Alguns que antes instigavam o herói, agora se horrorizavam com sua atitude.
Desci, passei pelo homem quando um policial o interrogava.
“É complicado…”, escutei ele falando num tom completamente diferente do que havia usado anteriormente.
As pessoas continuavam entrando e saindo nas lojas. O mundo continuava rodando enquanto um Papai Noel de brinquedo dizia: “Feliz Natal, ho ho ho.”