Traffic deu a Soderbergh o Oscar de Melhor diretor, premiando, além do filme em si, sua versatilidade. Observando os posts de filmes publicados aqui no Cinema de Buteco, percebe-se um pouco dessa diversidade.
A história entrelaça tantas outras histórias que de certa forma estão ligadas ao tráfico de drogas. O diferencial está no foco dado, e na sensação que deixa no espectador. A de que, tanto aqueles personagens, quanto nós mesmos (porque não?) estão incorporados de certa forma a um mecanismo que vai muito além da nossa compreensão, que se solidificou de forma tal, que não há como voltar atrás. Não há como reverter certos quadros. O que temos que fazer é apenas nos proteger, da forma que der.
Um juiz acaba de ser nomeado para o que chamam de czar antidrogas dos Estados Unidos. Se seu engajamento em realmente fazer algo a respeito do controle de drogas impressiona aqueles que conhece, sua incapacidade de lidar com a própria filha, usuária de drogas nada leves, é assustadora. Ela tem tudo: estuda em escola particular, tira boas notas, faz vários cursos, tem uma família aparentemente feliz (o que pode ser apenas aparente, como percebemos na cena do diálogo entre pai e mãe no carro), mas simplesmente a partir de uma lógica do erro decide entrar de cabeça nas drogas. Outra mulher, grávida de seu segundo filho também parece ter tudo. Só fica fragilizada quando descobre que seu marido será indiciado por envolvimento com tráfico de drogas. Ele foi denunciado por outro fornecedor, que agora se torna testemunha importantíssima no caso, e deve ser protegido por dois policiais. Paralelamente a isso temos um policial mexicano e seu parceiro. Ele está longe de ser corrupto, mas conhece bem os meios menos ortodoxos pelos quais as coisas funcionam. E joga de acordo com o jogo.
Tá certo que esse tipo de roteiro anda despertando certo interesse no público. Em alguns casos isso se justifica como nos sensacionais Shortcuts, Magnólia e 21 gramas. Mas em outros a tal ligação das histórias soa meio forçada e acaba se tornando a razão de ser do filme, deixando as tais histórias em segundo plano (caso dos médios Babel e Crash). Não é o caso de Traffic. As conexões são bem mais sutis, e por isso mesmo mostram o quanto aqueles personagens estão alienados quando ao seu papel nelas. O pai não conhece bem sua filha; a socialite nem se dá conta de que o dinheiro que paga suas jóias caras vem do tráfico; o policial não compreende a rede na qual se inclui seu trabalho e que no fim das contas ele pode estar apenas resolvendo parte do problema, enquanto beneficia outra. É portanto um filme para se ver com atenção. São muitas informações. Mas nada que torne o filme chato, pedante.
Embora tenha poucas cenas de ação, Traffic tem um clima tenso, justamente quando desenvolve seus personagens. A escalação do elenco também contribui muito para isso. Se Benício Del Toro ganhou o Oscar por sua atuação, justiça seja feita: embora ele realmente seja eficiente principalmente no que diz respeito a composição do personagem, é Catherine Zeta Jones que brilha e surpreende no filme. Sua fragilidade logo se mostra uma ilusão já que consegue lidar com os negócios do marido preso como se estivesse no ramo há tempos. A cena em que manda executar seu algoz é sensacional! E tudo para manter a paz na sua família. Mesmo que para isso tenha que livrar um criminoso (afinal de contas é de interesses pessoais que falamos aqui). Michael Douglas lembra seus bons tempos de Wall Street, e também mostra a que veio na cena do discurso, quando se dá conta do engodo que se trata toda aquela situação. Erika Cristensen é que poderia ter caprichado melhor, já que sua personagem poderia ter brilhado muito mais.
Detalhe para a fotografia, também de Soderbergh, que demonstra através da mudança nas cores, a mudança nas histórias. Opção inteligente e bonita visualmente.
Enfim… Traffic é realmente um filme merecedor do sucesso e reconhecimento. Não toma partido, não condena nem viciados, nem produtores, nem corruptos. Só expõe a realidade deixando o resto para o espectador. Recomendo.