A PRIMEIRA VEZ QUE ASSISTI A O LOBO ATRÁS DA PORTA FOI EM 2014. Vi muitos colegas de crítica recomendando a obra no nosso ranking de melhores filmes do primeiro semestre, mas só fui ter a oportunidade de tirar a prova no final do ano e acabei incluindo a produção em várias de nossas listas de melhores do ano. Não tenho a menor dúvida de que se trata de uma das principais obras produzidas no cinema nacional nos últimos cinco anos.
A trama conta a história de três pessoas reunidas dentro de uma delegacia para tratar do desaparecimento da única filha do casamento de Bernardo (Milhem Cortaz) e Sylvia (Fabiula Nascimento), que confrontam a jovem Rosa (Leandra Leal), amante de Bernardo. O que nós assistimos é o desenrolar das versões diferentes que cada um conta para o delegado, que acaba descobrindo – junto do espectador – que nada é exatamente aquilo que parece.
Dirigido por Fernando Coimbra, o filme possui um senso estético com a finalidade de nos deixar envolvidos com a trama. Em muitas cenas a câmera dá um super close no estilo que deixaria Sergio Leone orgulhoso. Tudo isso para mostrar as expressões dos atores e não permitir que o espectador concentre a sua atenção em nada. Nós nos tornamos os olhos do delegado tentando decifrar as histórias e mentiras contadas por Bernardo e Rosa.
Aliás, a direção é impecável também no que diz respeito a desenvolver a narrativa sem precisar de diálogos expositivos. Numa das primeiras transas da relação extra-conjugal de Bernardo e Rosa, percebemos que tudo não passa de um interesse carnal muito intenso. Eles se lambem, gemem e se beijam, mas não trocam uma palavra fora dos grunhidos do amor. Alguns espectadores podem entender o significado disso imediatamente (ele só quer comer a garota gostosa), mas a personagem de Leandra Leal parece ter dificuldades de entender isso.
No cinema geralmente temos psicopatas retratados como pessoas extremamente inteligentes e manipuladoras. Estão sempre um passo a frente de todos, com um comportamento quase que inacreditável para a vida real. O Lobo Atrás da Porta é um exemplo de uma personagem doente e capaz de qualquer coisa para ter a sua fatia de atenção, mas que não possui uma inteligência acima da média. Rosa é simples. Tudo que ela quer é ter a cia de Bernardo e tudo bem ela fingir ser amiga da esposa dele, deitar na cama do casal e tentar causar inferno na vida do amante. As mentiras e cinismo de Rosa nos deixam arrepiados. Ela provavelmente insistiria na sua história se não fosse pela ameaça do delegado em quebrar os dentes dela – e aqui vai uma consideração sobre o roteiro e caracterização perfeita dos personagens secundários: existe um senso de humor eficiente e muito natural para quem está acostumado com a malandragem das ruas e o jeitão carioca. O delegado e a morena barraqueira dão um show e garantem o alívio cômico da trama pesada.
Um movimento muito inteligente da câmera brinca com a expectativa do espectador, numa altura em que nós ainda imaginávamos que a criança poderia estar viva em algum lugar: Rosa deixa a pequena tomando um suco de laranja num bar e deixa o local para fazer alguma coisa (seria comprar uma arma de verdade?). A câmera então vai se afastando lentamente – da mesma forma que havia feito na primeira visita de Rosa a casa de Sylvia e Bernardo – e deixando o espectador com uma sensação de alívio: “Nossa, deixaram a menina num bar pé-sujo-puxa-faca no cafundó do Judas!”, mas então Rosa retorna e traz consigo aquela apreensão e a desconfiança de que algo grave aconteceu.
Indicado para fãs de bons longas de suspense, Fernando Coimbra conseguiu a proeza de apresentar um filme sobre traição com uma personagem mais assustadora que Glenn Close em Atração Fatal. O grande motivo para isso é a identificação: Rosa é uma garota normal que podemos cruzar o caminho por acaso a qualquer dia ou momento. Na dúvida sobre trair ou não, recomendo muito essas duas produções.
O Lobo Atrás da Porta é um dos 51 melhores filmes com psicopatas de todos os tempos, segundo a pesquisa realizada no Cinema de Buteco.