A equipe do site e convidados elegeram os filmes que, assim como Spotlight, ajudam a definir os melhores filmes sobre jornalismo.
GODARD DIZIA QUE O CINEMA É A VERDADE A 24 FRAMES POR SEGUNDO. E é nesse sentido que o cinema e o jornalismo dividem uma alma. Embora o último tenha um compromisso maior com os fatos (ou deveria ter) que o primeiro, ambos têm em seu cerne o desejo de contar uma verdade (seja individual ou universal) através de uma boa história.
Spotlight – Segredos Revelados, vencedor do Oscar de Melhor Filme lembra os clássicos filmes de Alan J. Pakula (Todos os Homens do Presidente) e Sidney Lumet (Rede de Intrigas, Um Dia de Cão) sobre o ofício jornalístico. Inspirados por ele, convidamos a equipe do site e amigos críticos e jornalistas para eleger os 30 filmes que definem o jornalismo.
Seja pelo exemplo do que fazer ou do que NÃO deve fazer (como é o caso da maioria da lista), nossos jornalistas preferidos das telonas nos ensinaram muito mais sobre ética, verdade, apuração e compromisso com a fonte do que os 40 anos de Jornal Nacional.
Antes de conferir o resultado da nossa lista, recomendamos que assista ao vídeo abaixo:
Conheça os 30 melhores filmes sobre jornalismo
30- Paixões que Alucinam (Shock Corridor, Samuel Fuller, 1963)
“Johnny (Peter Breck), ambicioso jornalista do Daily Globe em busca de um Pulitzer, se infiltra num manicômio a fim de descobrir o culpado pelo misterioso assassinato de um dos pacientes. O diretor do jornal tem interesses comerciais nisso e investe na matéria de capa. Os meios justificam os fins, e estes se alteram nos confins da sociedade americana, quando o jornalista-ator-farsante se dispersa em seu próprio exercício psicodramático de interpretar um obsessivo incestuoso para ser aceito na instituição, tendo ele mesmo outra obsessão – a fama e o desbunde de infiltrar e resolver um caso policial –, e se deparando com agentes torturadores de um sistema que tenta exercer domínio sobre a loucura, sem qualquer exatidão sobre sua natureza. Uma vez dentro do que se pode considerar um depósito de melancolias, traumas, desilusões, bodes expiatórios, e não uma alternativa de reabilitação para sociopatas, Johnny se depara com outros personagens psicossomáticos que espelham a América em preto e branco, com delírios a cores, no meio do século XX, pós-descoberta do caos e da relatividade, do colapso da lógica, da vulnerabilidade dos dogmas, da disputa cada vez mais visceral por hegemonias culturais: um catatônico que crê ser um grande tenor e assassinou a própria esposa; ex-donas-de-casa recatadas que se convertem em ninfomaníacas zumbis; um veterano de guerra que adere ao comunismo, contrariando à sua frígida família, e depois sofre represália dos comunistas ao renegar à ideologia; um ex-universitário negro marcado pelo preconceito em função de seu feito, até então inconveniente a uma sociedade acadêmica gentrificada, e que sofre de surtos de racismo e ode à supremacia branca; e finalmente um cientista nuclear que viu o horror nas suas piores formas e se retrai como um artista naïf. O misterioso caminho entre pensamento e ação é abalado pelo eletrochoque, uma das maiores ferramentas de opressão social, castradora de mentes e assassina de identidades. Quando o estado de espírito se prova algo tão contagioso e manipulável por meio de estímulos comunicacionais, resta uma dúvida essencial: não será toda e qualquer vida resultado de uma sequência de alucinações, saudáveis ou não? Tal reflexão obviamente se estende à veracidade de qualquer jornalismo, do mais ao menos cínico”. (Leonardo Francini)
29- O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, David Frankel, 2006)
“O Diabo Veste Prada serviu ao menos para fazer você perceber que seu chefe não é tão ruim assim (mas atire a primeira pedra quem nunca o chamou de Miranda Priestly mentalmente). Mas, mais do que isso, também mostrou que, não importa o segmento para o qual você escreva, é preciso conhecer profundamente e respeitar o seu objeto de estudo antes de escrever sobre ele” (Larissa Padron)
“O Diabo Veste Prada apresenta uma aspirante a jornalista marmota que recebe a chance de ouro de trabalhar para a maior revista de moda do mundo sob direção de uma das mulheres mais influentes do assunto. O que a produção nos ensina é que às vezes precisamos vencer nossos próprios preconceitos e descobrir que até mesmo as futilidades possuem o seu valor para nos fazer amadurecer pessoalmente e profissionalmente. E visualmente, nesse caso”. (Tullio Dias)
https://www.youtube.com/watch?v=XTDSwAxlNhc
28- A Primeira Página (The Front Page, Billy Wilder, 1974)
“Terceira de quatro adaptações que a peça The Front Page, de Ben Hecht e Charles McArthur, recebeu, A Primeira Página já seria obrigatório em qualquer curso de jornalismo simplesmente pela cena inicial, que mostra como eram produzidas as páginas de um jornal há não muito tempo, com linotipos de metal montados com o texto e as imagens para posterior impressão nas chamadas ‘rotativas’. Com a chegada dos computadores e dos arquivos digitais, isso mudou bastante, embora as impressoras rotativas ainda sejam utilizadas. Mas o longa de Billy Wilder é mais importante para o jornalismo do que apenas essa cena. Ao longo de seus 105 minutos, vemos a história do editor do jornal Chicago Examiner, Walter Burns (Walter Matthau), que tenta a todo custo impedir que o melhor de seus repórteres, Hildy Johnson (Jack Lemmon), se demita e mude de cidade para se casar com uma jovem pianista (Susan Sarandon). Hildy está prestes a se demitir quando precisa fazer a cobertura da execução de um assassino, mas além de não conseguir se livrar do próprio editor, seu faro jornalístico é tão forte que ele acaba cada vez mais envolvido nessa reportagem quando o criminoso tenta uma fuga. Com um roteiro ágil e cheio de situações engraçadas, marca registrada de Wilder, além das ótimas atuações da dupla Lemmon e Matthau, A Primeira Página acaba por sublinhar temas caros à profissão de jornalista, como a ética, o sensacionalismo, a fixação pelo furo de reportagem, a vida desregrada e os malefícios à saúde que isso pode causar, além das amarras que o repórter tem com o próprio emprego, que acaba por lhe atrapalhar sua vida e suas relações fora do trabalho”. (Carlos Carvalho)
27 – Assassinos por Natureza (Natural Born Killers, Oliver Stone, 1994)
“Robert Downey Jr. parece se sentir confortável no papel de jornalista, tendo vivido três nos últimos 10 anos em Boa Noite e Boa Sorte, Zodíaco e O Solista. Mas foi em Assassinos por Natureza que essa tendência despertou. Downey interpreta Wayne Gale, o clássico repórter sanguessuga que busca capitalizar às custas do casal de serial killers Mallory (Julliete Lewis) e Mickey (Woody Harrelson), inspirados nos reais Charles Starkweather e Caril Ann Fugate. A típica histeria pós-moderna, marca registrada do cinema de Oliver Stone, e o roteiro de Tarantino funcionam perfeitamente aqui para criticar não apenas a mídia caça-níquel, mas o espectador que deixa o humano de lado pelo fascínio da violência”. (Larissa Padron)
26- A Fogueira das Vaidades (The Bonfire of the Vanities, Brian De Palma, 1990)
“Inspirado no livro homônimo do escritor e jornalista norte americano Tom Wolfe, A Fogueira das Vaidades é um dos filmes mais controversos da carreira de Brian De Palma. Diferentemente de seus trabalhos mais aclamados, voltados para o thriller e o suspense, aqui, De Palma lança mão de uma comédia satírica que conta a história do envolvimento de um corretor de Wall Street, vivido por Tom Hanks, e sua amante, interpretada por Melanie Griffith, na morte por atropelamento de um jovem negro do Bronx, em Nova York. Enquanto o casal tenta a todo custo se livrar da acusação, um repórter beberrão vivido por Bruce Willis tem a chance de sua vida de fazer uma reportagem sobre o caso, que posteriormente lhe renderá um livro de sucesso. Ao projetar um tom de escárnio sobre a história, De Palma parece ter desagradado a crítica com sua releitura do sério livro de Tom Wolfe, sucesso absoluto e já alçado à condição de jovem clássico à época (o filme é de 1990 e o livro, de 1987). Mas mesmo com os propositais exageros criados por De Palma, o longa não deixa de fazer uma reflexão sobre as inúmeras relações de poder que podem influenciar um caso como o retratado. A tentativa de um candidato a prefeito de condenar um homem branco de classe média em troca de votos da comunidade negra, a pressão que essa própria comunidade exerce no poder público, o comportamento exagerado da alta sociedade e do status social das personagens e, claro, a maneira como a imprensa lida com tudo isso. Enfim, A Fogueira das Vaidades é um filme que merece ser revisitado e reavaliado, especialmente porque, mesmo em um gênero pouco usual ao cineasta, De Palma mantém algumas de suas principais características, como a câmera hitchcockiana, os personagens ambíguos, traidores e traídos, e a obsessão pela reação ao que é filmado, tanto de seus personagens quanto de nós, espectadores”. (Carlos Carvalho)
25- A Vida de David Gale (The Life of David Gale, Alan Parker, 2003)
“Bitsey Bloom ganha de presente uma história misteriosa e começa a cavucar, até conhecer exatamente os fatos que cercam o professor David Gale. Com atores do nível de Kevin Spacey, Kate Winslet e Laura Linney, o diretor Alan Parker chama a atenção para um tema constantemente discutido nos Estados Unidos – e no resto do mundo: a pena de morte. Com um roteiro muito bem amarrado, vamos descobrindo, tal qual a repórter, o que houve com Gale e como um ativista pelos direitos humanos vai parar no corredor da morte, esperando por sua execução. Mais um capítulo de jornalismo investigativo na história do Cinema obrigatório para qualquer entusiasta”. (Marcelo Seabra)
24- Mera Coincidência (Wag the Dog, Barry Levinson, 1997)
“Mera Coincidência mostra, de forma bem realística, duas faces de como o jornalismo pode ser manipulado. A primeira, que pode passar despercebida, é a da presença de assessores do presidente. Eles sabem como a mídia funciona e por isso criam um plano de gerenciamento de crise, que busca mudar a pauta principal dos jornais (tirar o foco). Do outro lado, estão os profissionais que trabalham para uma imprensa imediatista e sensacionalista, voltada mais para o índice de audiência que para o interesse público. Dessa forma, seguindo apenas o que chamamos de fonte oficial (governo), no filme, a imprensa peca pela falta de apuração, de questionamento e de vias alternativas para a construção das notícias. E assim, irresponsavelmente, vai formando uma opinião pública não menos manipulável. Algo que não é difícil de se perceber no mundo real. Filme obrigatório pra todos os estudantes e profissionais da comunicação fazerem a autocrítica do ofício”. (Jean Piter)
23- Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl With the Dragon Tattoo, David Fincher, 2011)
“David Fincher comandou uma verdadeira investigação jornalística na sua adaptação de Millennium. Ao colocar Rooney Mara e Daniel Craig cara a cara, o cineasta mostrou para os cinéfilos uma de suas melhores obras e conseguiu fazer isso até com mais qualidade do que havia feito em Zodíaco. Mikael Blomkvist (Craig) é dono de uma famosa revista que está passando por uma enorme crise. Ele acaba contratado por um ricaço para descobrir o que realmente aconteceu com a sua sobrinha desaparecida e acaba se enfiando no meio de uma arriscada trama ao lado da hacker Lisbeth Salander (Mara). Ao longo da narrativa podemos ver Mikael colocando em ação todo o seu faro jornalístico para encontrar as respostas que precisa”. (Tullio Dias)
22- Terra em Transe (Idem, Glauber Rocha, 1967)
“Esta é uma das mais revolucionárias fusões entre estética e improvisação na história do cinema, numa cinematografia documental que parece buscar na ascensão do teatro brasileiro contemporâneo, nos recortes fellinianos e no lado mais debochado da Nouvelle Vague as partituras cênicas do elenco, num vasto aproveitamento cenográfico de locações reais, majestosas, brasileiras, pré-Brasil. Uma câmera difusora e profética como poucas através dos tempos, com a vantagem de se representar na ideia de ficção, livre-expressão artística – o que a livra de um fim como o de Vladimir Herzog, mas não da censura, do exílio, da segmentação. Glauber, cineasta e jornalista, é como o personagem Paulo Martins (Jardel Filho) sem a catarse da luta armada. Atormentado pelo desejo de alterar as peças de um jogo que testemunha e reluta em ocultar, é seduzido pelos esquizopoderes conservador e populista, mas ama por demais o seu próprio poder. Um mártir da ética e da consciência, anda pela corda bamba entre a utopia e a vanguarda e, saraivado por todas as polaridades, balbucia, resmunga, mas não silencia, com seu ego por vezes anarquista, por outras demagogo. Um reflexo do dilema de qualquer redator, escritor, criador, diante do desafio de objetivar seus devaneios sobre a realidade. A arte é sua revelia. Melhor é não ir para a forca, mas quase. ‘Não conseguiu firmar o nobre pacto entre o cosmo sangrento e a alma pura’.” (Leonardo Francini)
21- Medo e Delírio (Fear and Loathing in Las Vegas, Terry Gilliam, 1998)
“Hunter S. Thompson é uma lenda. Famoso por ser o criador do jornalismo gonzo, estilo no qual o jornalista vive as situações narradas e não há barreiras entre a realidade e ficção, ele escreveu uma série de artigos para a Rolling Stone que então deram origem ao livro Medo e Delírio em Las Vegas, no qual seu alter ego Raoul Duke, viaja para a cidade na companhia do advogado Gonzo e muitas, muitas drogas. A adaptação para o cinema só poderia sair da cabeça incrivelmente insana de um Monty Python como Terry Gilliam e o resultado é um longa muito louco e engraçado no qual Johnny Depp e Benicio Del Toro (Thompson e Gonzo, respectivamente) nos levam aos limites da nossa imaginação. Destaque para a cena da banheira com White Rabbit de trilha sonora”. (Larissa Padron)
https://www.youtube.com/watch?v=8m662obIvhY