Sonata de Outono é o confronto entre mãe e filha que após reencontro reencontram-se também com traumas do passado, feridas e agressões (quase nunca físicas, sempre veladas), facilmente justificáveis por motivações subjetivas. Afinal, não temos mãe e filha em diálogo sobre o que eram e o que se tornaram, mas sim dois seres humanos, pessoas que buscam uma afirmação constante de si mesmas, nem que para isso recorram à total sinceridade, à total ruptura de seus inter-relacionamentos. E se lançam mão desta sinceridade demasiada, é porque já não sentem esta necessidade de ser a mãe dedicada – que nunca foi afinal nem todas as mulheres correspondem a essa vocação, ou a filha resignada – que o é por nunca ter recebido amor de sua mãe, e por sentir-se extremamente sufocada com as aspirações desta. Finalmente temos a segunda filha recolhida num quarto, vítima de uma deficiência supostamente provocada pela ausência da mãe, da qual só ouvimos os gritos em meio às discussões. O que seria um reencontro acaba por tornar-se um julgamento recíproco. De quem é a culpa por tornar-mo-nos quem somos? Temos outra escolha? Há outro caminho? Quando estas respostas aparecem, pode ser tarde demais.
O texto, original de Bergman quase uma peça teatral é perfeito (indicado ao Oscar inclusive). Fotografia belíssima (tons de amarelo como não poderia deixar de ser num filme que se passa no outono). E as interpretações: o forte do filme. Vejam a cena onde mãe e filha observam-se ao piano: a quantidade de emoções em cena, vistas apenas a partir da expressividade das atrizes. Impressionante…
Liv Ullman aparece impecável como Eva a filha que sofreu traumas no passado, e que abriu mão do que poderia ser outro caminho para sua vida, por medo de desafiar a mãe. Sua revolta aparece gradualmente e quando explode a sensação é dolorosa (ponto também é claro, para o roteiro de Bergman). É impressionante como ela conseguiu deixar a beleza e lado e se entregar totalmente à personagem. Já Ingrid Bergman como Charlotte (em papel feito especialmente para ela, que lhe rendeu indicação ao Oscar daquele ano), faz a mãe que se surpreende com as duras palavras de Eva, embora externe naturalmente seus sentimentos egoístas e até mesmo de repulsa com relação às suas filhas. Ela tem culpa por ser por demais humana? Por fazer escolhas, mesmo que erradas? E a pergunta, que mesmo forte (fico arrepiado quando penso no peso desta situação que já está dada) não pode deixar de ser feita: “será a infelicidade da filha, o triunfo secreto da mãe?”. As pequenas participações como não poderiam deixar de ser, não decepcionam: Halvar Björk, como Viktor, o marido que tem plena consciência de que sua mulher nunca o amará de verdade (a cena inicial do filme, onde ele lê o diário da esposa é fantástica), e Lena Nyman como Helena, a irmã doente cuja presença desencadeia o embate das protagonistas.
Não é segredo que gosto de Bergman e que seus filmes me emocionam como poucos (já escrevi sobre
Persona e O Sétimo Selo aqui), mas posso falar com certeza que este é meu preferido. Assistam. Corram atrás. Porque vale a pena. Só não vejam em um dia em que estiverem meio deprimidos. Ficadica.