Shortbus

De John Cameron Mitchell. Com: Paul Dawson, Sook Yin Lee, PJ Deboy, Raphael Barker, Linday Beamish.

Shortbus é o nome de um estabelecimento em Nova Yorque, feito para os “dotados e os desajustados”. Se o lugar não fosse tão dado a discussões quase filosóficas, poderia ser visto como uma casa de swing convencional. Depois que Jamie e James (Paul Dawson e PJ Deboy) o recomendam a Sophia (Sook Yin Lee) sua terapeuta sexual ou conselheira de casais como prefere ser chamada, ela passa a frequentar o lugar quase todas as noites em busca da resolução de seu problema: ela é pré-orgásmica, ou seja, nunca conseguiu gozar na vida.

É claro que Shortbus é um filme que fala sobre hedonismo a maioria do tempo. Um culto a ele, para falar a verdade. Logo na cena inicial vemos algumas pessoas e suas “idiossincrasias sexuais” digamos assim, entre eles, o casal principal e a terapeuta. O que se percebe, portanto, a todo o momento, é que o prazer decorrente do sexo não é definitivamente algo com o qual as pessoas se satisfaçam completamente. O que parece ser o mote do filme é o prazer como fuga. E o individualismo como único referencial para a busca dele.

Sophia, que até então se dava por satisfeita com o marido, um rapaz carinhoso e com quem tinha certa química entre quatro paredes, parece desconsiderar isso depois de tantas conversas sobre o assunto “orgasmo”, buscando essa sensação insistentemente. É uma coisa quase mecânica e metódica (e não é à toa que escolheram uma atriz oriental para interpretar a personagem). Desde exercícios pélvicos, até aparelhinhos dos mais variados (o que resulta numa das sequências mais engraçadas do filme, a do ovo), Sophia tenta de tudo. E não deixa de ser estranho ver como uma conselheira sexual pode ser tão mal resolvida no assunto, já que antes ela via o sexo como um ótimo exercício, e diz amar seu marido, embora algumas vezes tenha que sorrir e fingir que está gostando, pois esta é a sua “única maneira de sobreviver” ela diz, num reduto lésbico (pra quem, diga-se de passagem, o orgasmo é visto de maneira completamente diferente). Mas, como diz uma de suas novas amigas, que passa a ser também sua conselheira, pra quê ela quer tanto um orgasmo? De fato é algo bom, mas não vai salvar sua vida.

Já James e Jamie, o “casal perfeito” parece estar em uma situação parecida. James ama Jamie, mas parece não estar muito preocupado com o bem estar do amado, pelo menos não em primeira instância: se aceita procurar a ajuda de uma profissional é porque quer mantê-lo perto de si, não quer perder aquela pessoa com quem já se acostumou a viver. E fica claro, no primeiro diálogo com Sophia, a forma como ele sufoca Jamie, quando se apresenta ressaltando as qualidades de sua carreira de ator, e fala de Jamie de uma forma mais cerimoniosa, visto que no passado ele era garoto de programa, e agora é salva vidas na jacuzzi de um clube. Jamie por sua vez é um rapaz completamente depressivo, que grava momentos de sua vida, e pretende reunir as cenas em um vídeo dedicado ao namorado. Não falo a intenção dele em fazê-lo para não estragar a surpresa, mas percebe-se que é um garoto totalmente sem rumo. Só sabia o seu próprio valor na época em que era garoto de programa segundo suas próprias palavras, quando realmente sentia prazer nisso (ou seria uma fuga pelo fato de ser um menino sonhador que morava numa cidade pequena?), e parece ter entrado nesse relacionamento com James numa tentativa vã de se salvar dos estigmas que essa profissão lhe trazia. Estava enganado. O vazio continua lá. Apesar de aparentemente feliz.

Apresentar os personagens pode parecer um esforço inútil, quando se trata de Shortbus. Primeiro por se tratar de um filme com inúmeros personagens secundários, cada um interessante a sua maneira (a dominatrix que nunca teve uma interação real com outro ser humano, ou o voyeur que parece ser obcecado por aqueles que vigia). Segundo por que aquelas personagens principais mesmo, são muito mais complexos do que uma simples sinopse pode conseguir transcrever. É um filme com algumas doses de humor (a atriz Sook Yin Lee é responsável por elas na maioria do tempo, por seu ótimo timming cômico), sequências fortes de sexo à lá Kids (embora aqui pareçam sempre naturais), ótimas cenas e falas (como na conversa entre terapeuta e dominatrix na banheira, onde os papéis parecem se inverter um pouco). E no final um tipo de desconforto que acompanha o espectador por um tempinho após os créditos: o que há de real por trás desse mundo cheio de boates, bebidas, drogas, sexo pelo qual a maioria das pessoas prefere optar? Até que ponto estamos dispostos a abrir mão da busca por prazer (na qual o outro é apenas meio não fim, afinal a sensação é nossa, e não dele) para vivermos uma relação?

Paro por aqui, assistam o filme e comentem se possível. Shortbus, em minha opinião é um filme urgente e contundente, do qual ninguém sai ileso. Contem-me depois…