Em pleno século XXI os roteiristas televisivos ainda tendem a cometer o grande erro de desumanizar a ciência. Quase trezentos anos após os primeiros passos de Boerhaave na neurociência, as pessoas ainda tendem a desconsiderar os comportamentos humanos e os diferentes estudos sociológicos na hora de imaginar avanços tecnológicos e descobertas científicas. Graças à J.J. Abrams este grande tabu foi quebrado, mas infelizmente os seus seguidores parecem não terem entendido a mensagem, e apenas cinco anos depois do fim de Lost, graças à vinda dos irmãos Wachowski para a TV, que fomos presenteados com um Sci-Fi de real importância e grande abrangência no formato televisivo.
Se tem alguma empresa de comunicação interessada em quebrar com os paradigmas e moldes impostos pela TV americana no mundo das séries, sem dúvidas é a NETFLIX. Com a grande democratização de seu conteúdo “televisivo”, a responsabilidade de representar todos os seus telespectadores também caiu sobre os seus ombros. A proposta Straczynskie dos Wachowskis, não poderia ser mais oportuna, em um mundo aonde espaço geográfico não significa mais identidade cultural e dorme-se em Paris para acordar em Toquio, a ideia de uma lutadora de Seul emprestar as suas habilidades à um policial de Chicago, não me parece mais um bicho de sete cabeças. A didatização do teletransporte já não é mais tão complicada. A rede de dados criada pelos seres humanos ao longo do globo já é tão forte, que parece um passo natural da evolução sua também conexão mental.
Sense8 trás ao público a história de 8 personagens espalhadas pelo planeta, que são renascidos por Angelica como “sensates” e com uma rede de conexão entre eles, através da qual podem compartilhar seus conhecimentos e habilidades. Nada que já não façamos pela internet, mas de uma forma um pouco mais telepata, digamos assim. A primeira temporada da serie acompanha a jornada desses personagens pelo auto-descobrimento de seus novos Eu, e porque, como e para que finalidade foram escolhidos para compartilhar esse dom.
A grande sacada dos criadores da série é exatamente em investir muito mais em suas personagens do que em sua história propriamente dita. É impossível falar-se com propriedade do futuro, de algo no qual não temos nenhuma prova empírica, por isso engajar o público com essas pessoas, à ponto do mesmo já não se importar se a mitologia vai ser ou não bem sucedida, é uma jogada genial, porém nem tão simples de ser executada. O que diferencia as personagens dos Wachowskis para as de J.J. Abrams, é que aquelas realmente são a representação o mundo atual. Eu nunca vi a humanidade ser retratada com tanta verossimilidade na TV, as diversidades e peculiaridades de cada indivíduo são tão bem pontuadas, que chega a emocionar, e nos faz indagarmos à nós mesmos, por que demoramos tanto tempo para nos representarmos na TV.
De uma DJ Islandesa com uma história traumática de vida, perseguida por criminosos em Londres, à uma Transexual Gay e ex-hacker de São Francisco com grandes problemas familiares, Sense8 possui algumas das personagens mais cativadoras que eu já vi na TV. É claro que a execução não tem como ser perfeita, algumas storylines acabam por nos enfadar por diversas vezes, como é o caso de Will e Kala, mas isso e o mal uso de alguns personagens é facilmente perdoado quando somos presenteados pelas cenas coletivas dos “sensates”. Os roteiristas acertaram bem no alvo quando entenderam que o foco em uma serie que trata da conexão entre suas personagens deveria ser exatamente as cenas nas quais as mesmas se encontram, fisicamente ou mentalmente. A sequência com todas as personagens cantando “What’s Up”, as sequências de lutas e confrontos, até a famosa cena da suruba, são todas meticulosamente bem executadas e quase que catárticas, aonde o telespectador diz para si mesmo, valeu a pena esperar por isso.
A série mais comentada, e que mais divergiu opiniões nesse 2015, cumpriu o seu papel de chocar a sociedade, ser de vanguarda e nos apresentar uma forma diferente de se fazer televisão. Após passar metade de sua temporada criando o click entre o telespectador e suas personagens, à partir do sétimo episódio Sense8 entra em uma espiral de drama e ação, um thriller de suspense acompanhado por várias sequências de perseguição, aonde fica impossível não exigir pelo episódio seguinte. Sem entregar muitas respostas, a série assentou o chão para o que promete ser uma eletrizante, dinâmica e reveladora segunda temporada. Mal posso esperar.